Os 2 novos centros culturais na periferia propostos por Haddad são criticados pela Folha, mas nunca se fez objeção ao Museu da Língua ou outros no centro
Oswald de Andrade dizia que um dia a massa comeria o biscoito fino que ele fabricava. Talvez precisemos dizer hoje que comeremos o biscoito fino que a massa fabrica.
A cultura na periferia de São Paulo é muito rica, mas por vezes dificilmente acessível, pois não encontra espaço para ser exibida nem estímulos ou fomentos que possibilitem a sua recepção. Alguns não acreditam, mas há biscoito fino em Cidade Ademar, Parelheiros, Perus. Basta os tirarmos da lama do esquecimento e da cultura feita de puxadinhos.
Essa reflexão me ocorreu ao ler o editorial da Folha "Cultura na periferia" (3/11), que faz uma leitura do plano de cultura do prefeito eleito Fernando Haddad, censurando-o com uma boutade: "O que é bom não é novo, e o que é novo não é bom".
É preciso que se diga ao leitor deste importante jornal que a elaboração do plano de cultura de Haddad resultou de inúmeras reuniões com os diversos setores culturais. Um primeiro diagnóstico, confirmado pelos depoimentos de pessoas da periferia e coincidente com o levantamento feito pela Rede Nossa São Paulo, revelou que as coisas não andam tão bem como propõe o autor do editorial, afirmando que as políticas em curso "são bem sucedidas" e "não podem ser descontinuadas".
Tal opinião não condiz com a realidade: dos 96 distritos da cidade, 45 não têm biblioteca municipal; 59, nenhuma sala de cinema; 71 não contam com museu; 52, com sala de show ou concerto; e 54, com teatro.
Entretanto, o ponto do plano de cultura do novo prefeito que mais incomoda o autor do editorial é a proposta de construção de dois novos centros culturais na periferia. Escreve: "Antes de ceder à cultura da engenharia civil e das placas de obras, que tanto seduz governantes, o prefeito eleito ganharia se usasse um pouco mais a imaginação".
O mesmo argumento foi usado quando a prefeitura propôs a construção dos primeiros CEUs. Segundo vários artigos da época, seriam caros e desnecessários, difíceis de serem mantidos. Hoje, são elogiados pelo autor do editorial, pois "são mais eficazes quando congregam lazer, esporte, cultura e educação".
O mais curioso é que sou leitor assíduo da Folha há muitos anos e não me lembro de ter lido nenhuma objeção dos editores deste jornal à construção do Museu da Língua Portuguesa (que custou R$ 37 milhões) ou do ainda inacabado Museu da História de São Paulo (estimado em R$ 52 milhões), todos localizados, mais uma vez, na região central.
Ninguém achou absurdo gastar dinheiro com a construção do Museu do Carro, da Moda e da Canção, como sugeria Serra. Mas construir mais dois centros culturais na periferia de uma cidade gigante que tem apenas dois centros culturais em funcionamento parece inconcebível.
Há no plano de cultura de Haddad o projeto de readequação e ampliação de equipamentos já existentes, principalmente nos CEUs. Mas isso apenas não é suficiente.
O plano insiste na descentralização do equipamento e das atividades relacionadas à cultura, assim como na gestão partilhada com artistas. Ao mesmo tempo, faz os grandes equipamentos girarem em torno da formação e da educação (criando escolas de artes nos novos centros), em vez de só ofertar alternativas de lazer e de entretenimento.
Por fim, com quatro centros culturais em zonas distintas, eles poderão funcionar em rede, colocando a produção local em circulação.
As discussões levantadas pelo editorial são importantes, mesmo que discordantes em relação à perspectiva que defendemos. Por isso, proponho que os interessados leiam nosso plano e participem do debate. Todos são bem-vindos.
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LUIZ ARMANDO BAGOLIN, 48, é professor do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo