Seminário discute critérios de compras sustentáveis

Grande comprador, governo é importante ator de transformação social e deve preocupar-se cada vez mais com o ciclo de vida dos produtos que adquire.

Fonte: Instituto Ethos

Se, no passado, as compras do setor público precisavam responder apenas pelo trinômio prazo, qualidade e entrega, num mundo com recursos naturais escassos e aumento expressivo da população os critérios de aquisição do governo passam a ser outros. Hoje, os bens adquiridos em processos licitatórios devem respeitar padrões ambientais e gerar benefícios para a sociedade. Esse tema foi discutido durante o seminário Integridade, Práticas Empresariais e Compras Públicas, promovido pelo Instituto Ethos, no âmbito do projeto Jogos Limpos Dentro e Fora dos Estádios e do Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, em parceria com o Pacto Global da ONU. O evento ocorreu terça-feira (4/12), na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em São Paulo.
 
“Ao comprar um objeto é preciso pensar em todo o ciclo de vida do produto e questionar se na sua cadeia houve desmatamento, trabalho escravo, trabalho infantil ou uso indiscriminado de agrotóxicos”, diz Luciana Betiol, coordenadora do Programa de Consumo Sustentável do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (GVces). “Estas percepções também estão sendo cobradas do servidor público. A ideia é que as compras do governo sejam feitas cada vez com maior responsabilidade”, afirma.
 
O setor público é um grande agente de transformação social devido não apenas ao seu poder de compras, mas também por regulamentar, criar taxas e incentivos que moldam novos padrões no mercado. Mas o incentivo a compras sustentáveis não é uma novidade.
 
Durante a apresentação, Luciana, expôs as principais transformações nas leis brasileiras que incluem o conceito de compras sustentáveis. Leis como a 123/2006, que especifica uma reserva de mercado para as micro e pequenas empresas, já apontam uma tendência de aproveitar as compras públicas para proteger determinados setores da sociedade. Mas as mudanças mais expressivas foram em relação à Lei nº 8.666, que institui normas gerais para licitações e contratos administrativos. Nos últimos anos, essa lei passou por diversas reformas durante as quais o conceito de desenvolvimento nacional  sustentável foi incluído. Sem uma definição clara, o termo deixava espaço para diversas interpretações. No entanto, uma semana antes da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável que aconteceu no Rio de Janeiro, em junho de 2012, a presidenta Dilma Rousseff publicou um decreto que regulamenta o conceito de desenvolvimento sustentável.
 
Algumas políticas do governo também expressam a necessidade de incluir normas ambientais e sociais nas aquisições do governo. A Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), criada em 2009, sugere que o governo opte por fornecedores que demostrem soluções para problemas ambientais e propiciem maior eficiência energética, racionalidade no uso da água, redução de gases de efeito estufa e diminuição da produção de resíduos. Embora não seja uma norma de compras, a política deixa claro que, para amenizar os efeitos das mudanças climáticas por meio da redução de emissões de gases de efeito estufa, é preciso que as compras públicas se tornem mais sustentáveis.
 
Instituída em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) também aponta a necessidade de optar por produtos que levam menos embalagens e preferem materiais reciclados e recicláveis. “Daqui para a frente, empresas que quiserem vender ao poder público terão de se adaptar cada vez mais a essas tendências. Um dos desafios é saber qual o ciclo de vida de um produto que ainda não é discriminado pelas empresas para a sociedade”, afirma Luciana.
 
Outro ponto discutido foi o papel do Tribunal de Contas da União (TCU) na prevenção de crimes contra o patrimônio público. O órgão que é mais conhecido pela sociedade brasileira pelo seu papel de fiscalizar as compras do governo, também trabalha para capacitar os gestores públicos em relação às melhores práticas para compras públicas.
 
O auditor Carlos Renato Araújo Braga, diretor da Secretaria de Fiscalização e Tecnologia da Informação do TCU, afirmou que a maioria dos gestores públicos que ele conheceu nos seus 12 anos de trabalho “é honesta e quer fazer a coisa certa, mas não faz por falta de recursos, conhecimento e capacitação”. .
 
“A compra direta era também um grande problema na esfera federal. Por volta do ano 2000, mais de 80% das compras de TI [tecnologia da informação] eram feitas sem licitação”, declarou Braga. Segundo ele, depois de ações como o lançamento de manuais e a realização de seminários, esse problema foi contornado e hoje só uma pequena parte das contratações não acontece por pregões eletrônicos, uma das formas de licitação mais transparentes.
 
Durante o evento, José Antônio Pessoa Neto, superintendente nacional de Licitações da Infraero falou sobre a experiência da empresa com a utilização do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), uma nova modalidade de compras públicas, instituída em 2011 pela Lei nº 12.426.
 
Inicialmente, o RDC surgiu para garantir maior rapidez às obras necessárias para a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. No segundo semestre de 2012, uma nova legislação permitiu que o RDC também pudesse ser usado nas contratações para as obras do Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC) e para obras de engenharia que vão garantir infraestrutura ao ensino público.
 
O RDC trás dezenas de mudanças na legislação atual de compras públicas, a Lei nº 8.666. Três delas são as mais significativas:
 •Inversão da ordem no processo licitatório: primeiro se escolhe a melhor proposta e depois são analisados as certidões e documentos somente da empresa vencedora. Com isso, reduz-se o número de processos de verificação;
 •Contratação integrada: nessa modalidade criada pelo RDC, uma empresa pode ficar responsável por toda a execução da obra, desde o projeto básico até a sua construção final. Na legislação atual, as obras costumam ser fracionadas. Na construção de um aeroporto, por exemplo, uma licitação escolhe quem elabora o projeto básico, outra quem constrói a estrutura física do terminal de passageiros e uma terceira escolhe a empresa que será responsável pela esteira de bagagens. Esse procedimento é criticado por dificultar a participação de pequenas e médias empresas.
 •Omissão do orçamento disponível: o RDC permite que a administração pública não informe quanto espera gastar com a licitação. Pessoa Neto, da Infraero, acredita que essa é uma das melhores inovações do processo. “Esse mecanismo obriga as empresas a conhecer melhor o projeto antes de apresentar uma proposta e a trabalhar de acordo com a realidade,” avalia.
 
“O RDC simplifica a relação nas contratações, melhora a prestação de contas e também reduz o volume físico dos contratos”, afirma Pessoa. “O objetivo é dar agilidade aos processos de contratação.”
 
A Infraero utilizou essa forma de contratação para obras como a reforma do Terminal 4 do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e do Aeroporto de Curitiba. Ao todo, a estatal já contratou 23 obras pelo RDC, cujos orçamentos totalizam R$ 900,8 bilhões.
 
Por Giselle Paulino, para o Instituto Ethos

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