Júlio Ettore
Mais de 40% dos pais que dependem de creches municipais em São Paulo aguardam a abertura de vagas. Segundo o último relatório de demanda da Secretaria Municipal de Educação (SME), de junho, 145.221 crianças esperam na fila, que pode durar anos. A cidade tem outras 207.605 matriculadas. Para muitas mães, como Kellen Moura, de 30 anos, foi preciso achar outra solução para cuidar de Marco Antonio, de 4 anos.
Ela paga R$ 300 para uma vizinha cuidar do menino, no Grajaú. Lá, ele tem a companhia de outras duas crianças. O Grajaú tem o maior déficit de vagas: 7.667 crianças estão na fila. Somando este a outros cinco distritos da zona sul (Capão Redondo, Jardim Ângela, Campo Limpo, Cidade Ademar e Jardim São Luís), a conta chega a 27,34% da espera em toda a capital.
Marco Antonio esperou por uma vaga desde os 5 meses de idade. Nesse tempo, até conseguiu uma. “Mas a creche que ofereceram ficava muito longe de casa. Fiz as contas e teria de pagar para que ele fosse de van”, diz Kellen, que voltou para a fila.
Cuidar de crianças é um negócio comum na região. Lilian Aparecida, de 41 anos, transformou a casa em “creche”, no Grajaú. “A mãe passa aqui, lá pelas 7h, e deixa a criança. Cuidamos até as 19h”, explica, destacando a vantagem do serviço sobre o horário de funcionamento de uma creche – normalmente até as 17h. Lilian trabalha com a irmã e cuida de dez crianças entre 1 e 4 anos. O preço chega a R$ 280
É possível acompanhar como a fila “anda” em tempo real na página da SME, por faixa etária e local. Nos distritos citados, até a última terça-feira, a maior espera estava numa das subdivisões do Jardim São Luís – 679 crianças que completam 2 anos em 2013 aguardam uma vaga. Já em um setor de Cidade Ademar, onde a fila tinha 282 crianças da mesma faixa etária, a criança que estaria em 128 º lugar conseguiu uma decisão favorável na Justiça e passou para primeiro.
Pais de toda a cidade têm procurado o Ministério Público e a Defensoria Pública para processar a Prefeitura, tentando conseguir uma vaga para os filhos. O coordenador do Núcleo de Infância e Juventude da defensoria, Diego Medeiros, diz que a maioria das decisões tem sido desfavorável ao município, o que, na prática, não resolve o problema. “O juiz dá a liminar, mas não há vaga. Ou se abarrota a creche ou se espera abrir vaga.”
A procuradora Sandra Massud, da área da Infância e Juventude no foro de Santo Amaro (que inclui Grajaú), também atende pais que pedem a matrícula na Justiça. Ela reconhece, porém, que é uma medida contraditória. “Não adianta vir aqui pedir para passar para a frente. Só cria mais injustiça.”
Solução. A ONG Ação Educativa, que atua há quase 20 anos na área de políticas públicas para a educação, avalia que faltou planejamento no modelo de convênios adotado pela SME. “Houve uma ampliação de matrículas aleatória, não em regiões com mais demanda”, diz Salomão Ximenes, advogado e assessor da entidade. Além disso, ele defende que o convênio deve ser uma opção de emergência e o aumento da rede deve se apoiar na administração direta. “O município tem orçamento para isso. Defendemos a vinculação de 30% da receita de impostos para a educação.” O artigo 212 da Constituição Federal vincula 25% desses recursos à área.
A SME afirma que a atual gestão criou “vagas em creches em número recorde na cidade de São Paulo”. A nota destaca ainda que o município já atingiu a meta estabelecida pelo MEC de ampliar o atendimento a 50% das crianças em faixa etária de creche até 2020.
Para o MP não bastou. Corre em segredo de Justiça uma ação civil pública que acusa o prefeito Gilberto Kassab de improbidade administrativa pela falta de vagas em creches. Em novembro, ela foi julgada improcedente. O promotor João Faustinoni disse que já recorreu à 2ª instância.