Procuradores e promotores criam abaixo-assinado contra proposta já aprovada em comissão que retira do órgão a possibilidade de apurar crimes
Fausto Macedo – O Estado de S.Paulo
Nos moldes da Lei da Ficha Limpa, que teve origem em grande mobilização da sociedade civil para pressionar o Congresso a aprová-la, o Ministério Público de São Paulo criou um abaixo assinado online contra a Proposta de Emenda à Constituição 37 (PEC 37), que o alija das investigações criminais. "A PEC 37 representa um grave retrocesso, sobretudo numa época em que a Justiça parece triunfar", alerta o procurador-geral de Justiça, Márcio Elias Rosa, chefe do MP paulista, em alusão ao julgamento do mensalão.
A meta é reunir o maior número de adesões, por meio do endereço http://www.change.org/pec37 – para preencher o documento, basta colocar nome, endereço e e-mail. O abaixo-assinado será levado ao Congresso como uma manifestação eminentemente popular de repúdio à PEC 37.
De autoria do deputado Lourival Mendes (PT do B-MA), a proposta já foi aprovada em Comissão Especial e será submetida ao plenário da Câmara. A PEC confere às polícias exclusividade sobre os procedimentos.
"A PEC 37 atenta contra o Estado Democrático de Direito e vulnera os direitos humanos", alerta o procurador-geral Elias Rosa.
Para o promotor Silvio Marques "esse projeto só beneficia os criminosos". "Se não fosse o trabalho do Ministério Público, muitos casos importantes de desvios de dinheiro público e outros crimes graves não teriam sido descobertos."
O promotor Christiano Jorge Santos argumenta que a Constituição de 1988 dotou o MP de atribuições essenciais para o desenvolvimento do País. "Desde então, como instituição consolidada, articulada e estruturada, intensificou o alcance de sua atuação, combatendo com êxito o crime organizado, a corrupção, a lavagem de capitais, os danos ao erário, enfim, ilícitos cometidos, via de regra, por setores da sociedade até então inatingíveis", pondera Christiano.
Calcula-se que a corrupção causa um prejuízo aproximado de R$ 82 bilhões por ano, 2,3% do PIB, à sociedade brasileira, informa Christiano. "Essa medida dá conta da absurda incompetência de todos os órgãos e instituições do Estado brasileiro em combater a corrupção, desde as praticadas por bandidos pés de chinelo até as que suplantam bilhões, perpetradas por mais sofisticadas organizações criminosas. É uma das razões pelas quais a PEC 37 trará consequências desastrosas para o combate à corrupção e a outros crimes."
Segundo o promotor, pela proposta, no Brasil, só a polícia poderá investigar. "Assim, as investigações criminais não poderão mais ser feitas pelo Poder Judiciário, pelo Parlamento, pelo Ministério Público, Receita Federal, COAF, Banco Central, pelos Tribunais de Contas, pela Controladoria-Geral da União, pelos órgãos ambientais, pelos conselhos profissionais, ou pelos mais variados órgãos e entes estatais, ou não que para bem exercerem seus misteres, têm necessidade de apurar infrações penais."
Christiano Jorge Santos lembra que também no Supremo Tribunal Federal (STF) a questão foi novamente suscitada, em julgamentos envolvendo o assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel (PT), e o descumprimento de ordem judicial referente a pagamento de precatórios por um ex-prefeito de Ipanema (MG). "As decisões se encontram suspensas por pedido de vista pelo ministro Luiz Fux, havendo discussões apenas acerca dos limites da investigação (se para todos os delitos ou apenas alguns)", assinala o promotor.
"A intenção é, simplesmente, acabar com a possibilidade de investigação pelo Ministério Público, ainda que à custa de mais corrupção e impunidade", adverte o promotor. "Pretende-se arrancar o coração de uma instituição ainda viva e, curiosamente, uma das poucas, ao lado da imprensa livre e setores da sociedade civil, capaz de neutralizar o poder econômico quando contrário à sociedade."
O promotor destaca motivos contra a PEC 37, segundo manifesto divulgado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Alguns exemplos, segundo o manifesto:
1) Retira o poder de investigação do Ministério Público, como instituição responsável pela defesa da sociedade. As investigações do Ministério Público ‘encontram-se regradas pela Resolução13 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que estabelece prazos, mecanismos de controle e garantia de acesso por parte dos investigados e advogados. Além disso, os poderes investigatórios do Ministério Público estão hoje respaldados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, decorrendo da Constituição Federal, da Lei Complementar 75/93 e da Lei 8625/93.
2) Reduz o número de órgãos para fiscalizar. Além de impedir o Ministério Público, as investigações de órgãos como Ibama, Receita Federal, Controladoria-Geral da União, COAF, Banco Central, Previdência Social, Fiscos e Controladorias Estaduais poderão ser questionadas e invalidadas em juízo, gerando impunidade.
3) Exclui atribuições do Ministério Público reconhecidas pela Constituição, enfraquecendo o combate à criminalidade e à corrupção; além de ignorar a exaustiva regulação existente no âmbito do Ministério Público para as investigações, não reconhece a atuação de órgãos correicionais (Conselho Superior e Conselho Nacional do Ministério Público), bem como do próprio Judiciário, nem, tampouco, o quanto estabelece o artigo 129 da Constituição.
4) Vai contra as decisões dos Tribunais Superiores, que já garantem a possibilidade de investigação pelo Ministério Público. Condenações recentes de acusados por corrupção, tortura, violência policial e crimes de extermínio contaram com investigação do MP, nas quais a polícia foi omissa.
5) Gera insegurança jurídica e desorganiza o sistema de investigação criminal, já que permitirá que os réus em inúmeros procedimentos criminais suscitem novos questionamentos processuais sobre supostas nulidades, retardando as investigações e colocando em liberdade responsáveis por crimes graves.
6) Vai na contramão de tratados internacionais assinados pelo Brasil, entre eles a Convenção de Palermo (que trata do combate ao crime organizado), a Convenção de Mérida (corrupção), a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que determinam a ampla participação do Ministério Público nas investigações.