Por Cristiane Agostine e Raphael Di Cunto | De São Paulo
Prefeito eleito da cidade mais endividada com a União, Fernando Haddad (PT) garantiu a mudança no indexador da dívida antes mesmo de assumir o comando de São Paulo. A proposta apresentada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, é semelhante à defendida por Haddad e, quando chegar à prefeitura, o petista terá mais recursos para investimentos.
"O caminho que a Fazenda está adotando contempla São Paulo", disse Haddad, em entrevista ao Valor, na sexta-feira. "Pagamos uma taxa de juros muito superior ao que a União paga para rolar sua própria dívida. Não faz sentido e o Guido concorda 100%", afirmou.
Do mesmo partido da presidente Dilma Rousseff, Haddad avançou na negociação da mudança nas regras do pagamento da dívida, no pacote que inclui Estados e municípios, até então barrada pelo governo federal. À frente da prefeitura, José Serra (PSDB) tentou alterar o indexador quando o presidente era Luiz Inácio Lula da Silva, assim como o prefeito da capital, Gilberto Kassab (PSD), buscou negociar com a presidente Dilma Rousseff. Em vão.
A sintonia entre o prefeito eleito e o ministro da Fazenda vem de longe. Foi Mantega quem levou Haddad ao governo federal, em 2003, no início do governo Lula, para ser seu assessor especial no Ministério do Planejamento.
Nas conversas com Guido, Haddad reivindicou que parte dos recursos pagos pela prefeitura à União volte à cidade como investimento. "Precisamos abrir agenda de parceiras para que parte desses recursos volte como convênio. Ele [Guido] se dispôs a organizar o ambiente institucional para promover essas parcerias o mais rápido possível", disse.
Haddad negou favorecimento. "A mudança no indexador será para todo mundo. Interessa a todos os entes federados que têm contrato com a União", disse. "Vai ser uma repactuação federativa na direção correta". A partir de janeiro, a dívida deverá ser corrigida pela Selic (a taxa básica de juros da economia) até o limite do IPCA mais 4% ao ano, e não mais pelo IGP-DI mais 9%, de acordo com proposta a ser apresentada por Medida Provisória.
Prestes a assumir a prefeitura, Haddad terá como desafio colocar em prática sua principal bandeira de campanha, o Bilhete Único Mensal ao custo de R$ 140, como prometido na eleição. O valor é garantido para 2013, mas não para 2014, quando deverá ser reajustado de acordo com a inflação. Desde sua vitória, o petista tem falado sobre a dificuldade de implementar esse bilhete no primeiro ano da gestão. Ao Valor, afirmou que "pode ser em novembro" o início do funcionamento do bilhete. Dessa forma, os R$ 140 anunciados deverão ter curta duração.
"Esse valor de R$ 140 vai ser mantido [em 2013] independentemente do reajuste da tarifa de ônibus deste ano. Para esse valor foi fixado 2012 como ano calendário, com tarifa de R$ 3. Em 2014, será levada em consideração a inflação de 2013", disse. "Mas garantimos que nos próximos quatro anos os reajustes, tanto da tarifa de ônibus quanto do Bilhete Único Mensal, não serão superiores à inflação", afirmou. O reajuste da tarifa de R$ 3 será feito no início da gestão e deve ter como teto R$ 3,37.
A maior dificuldade a ser enfrentada pelo petista deve vir da base aliada no Legislativo. Preocupado com a governabilidade, Haddad deu secretarias ao PT, PSB, PCdoB, PP, PMDB e ao PV e PTB, que apoiaram o tucano José Serra no segundo turno.
O PV e o PSD, do prefeito Kassab, já dão sinais de que poderão complicar a vida do petista na Câmara Municipal. Na sexta-feira, ao finalizar o anúncio de secretários, Haddad nomeou o vereador Ricardo Teixeira (PV) no lugar do vereador Roberto Tripoli (PV), que desistiu do cargo sob críticas veladas ao esvaziamento da Pasta feito pelo petista.
Para Haddad, Tripoli teria se assustado com o volume de trabalho e desistiu: "Ele [Tripoli] tentou compor equipe sem sucesso, chegou a fazer convites para algumas pessoas… Falou que ali tem muito trabalho a ser feito em função da estrutura e dos desafios e resolveu declinar".
O vereador foi um dos principais articuladores da participação do PV no governo petista e reclamou do poder limitado que teria. No Legislativo, Tripoli é tido como negociador hábil e foi o responsável por derrotar Serra em seu primeiro dia como prefeito ao articular o Centrão contra a candidatura pela presidência da Câmara Municipal defendida pelo tucano. Na época, Tripoli era do mesmo partido de Serra, PSDB.
O PSD, com a terceira maior bancada, tem sinalizado que a relação com Haddad não está boa e, aliado ao PSDB (2ª maior bancada), poderá impor dificuldades ao petista.
De forma geral, os partidos aliados têm se queixado da falta de participação nas nomeações nas subprefeituras, que serão comandadas por engenheiros e técnicos.
Haddad minimiza eventuais problemas. "Ninguém falou comigo sobre esse assunto. Vocês estão vendo problema onde não existe", afirmou, na entrevista realizada na sede do governo de transição. "Nunca tive dificuldade de diálogo", disse. "Não vou ter problemas na Câmara. Sinto um clima bom. Acho natural ter um período de ajuste, de diálogo. Vou ter uma relação respeitosa".
A equipe do petista analisa os contratos em vigor, mas Haddad indicou problemas na Educação, com a compra de materiais. "Não há ata de registro de preços, em relação a alguns materiais. São evidências emergenciais que terão que ser tomadas. Foi o principal problema identificado até agora" disse.
Em aceno à classe média, Haddad não só acabará com a taxa de inspeção veicular, como mudará o sistema. Carros com mais de quatro anos farão a inspeção, que será bianual.
O prefeito eleito contesta irregularidades apontadas em sua prestação de contas pela Justiça Eleitoral e nega vínculos de sua campanha com a empresa de Freud Godoy, apontado pelo publicitário Marcos Valério como intermediário de repasses destinados ao ex-presidente Lula.
Ao ser questionado sobre as recentes denúncias de Valério contra Lula, envolvendo o ex-presidente no mensalão, Haddad saiu em defesa de seu padrinho. "Está se dando muito crédito a uma pessoa que não tem nenhum", disse, em referência a Valério. "Minha confiança no presidente Lula é absoluta e acho uma grande injustiça o que está vivendo".