Para prefeito eleito, cidade tem de resgatar a autoestima e apostar no eixo do Tietê
Desde que ganhou a eleição no fim de outubro, com 3.387.720 votos, o prefeito eleito Fernando Haddad (PT), de 49 anos, já está com a agenda sobrecarregada do cargo. A duas semanas de assumir o comando da maior metrópole do Hemisfério Sul, precisa ao mesmo tempo escolher quadros, consolidar maioria na Câmara Municipal e encontrar soluções para amenizar o cotidiano cheio de problemas da cidade.
A primeira entrevista ao Estado, após formar seu time de 26 secretários, teve na sexta-feira 30 minutos cronometrados. Do lado de fora, outros repórteres esperavam na fila. "Vão ter outras além dessa?", perguntou a assessores.
Para falar de São Paulo, o uspiano graduado em Direito e pós-graduado em Economia e Filosofia gosta de pensar grande. Preferiu evitar anúncios sobre medidas a serem tomadas nos primeiros dias de governo, como preço da tarifa de ônibus ou o novo modelo de licitação da Nova Luz. Disse que vai devolver às 31 subprefeituras a autonomia para que realizem pequenas obras. Citando antigos urbanistas, explicou como pretende direcionar o desenvolvimento da cidade ao longo do traçado do Rio Tietê. E revelou estar fascinado com os projetos de revitalização do Rio, como o Porto Maravilha. Para Haddad, o paulistano tem de recuperar a autoestima, assim como ocorreu com os cariocas.
Qual será sua primeira ação após se sentar na cadeira de prefeito?
Constituir câmaras de gestão para dar racionalidade ao governo. Vamos organizar as 26 secretarias, com exceção das que são do gabinete, como Finanças e Governo. As demais serão divididas em câmaras ligadas à cidadania e ao desenvolvimento social, urbano e administrativo. Serão quatro, organizadas para que conversem e otimizem ações.
E para a vida prática do paulistano? O que o senhor pretende fazer?
Vou começar a buscar terrenos para construção dos três hospitais e das 172 creches que prometemos na campanha.
As enchentes prometem ser um desafio. O senhor tem um plano emergencial para elas?
Faremos um plano de contingência. Já o encomendei a três secretarias, que serão mobilizadas no dia 2 de janeiro: Segurança Urbana, que engloba a Defesa Civil; Serviços, que cuida da varrição; e Subprefeituras.
Em janeiro passado, começou uma operação na cracolândia. Mas o bairro continua degradado. O senhor pretende mudar o projeto Nova Luz de Kassab?
Houve uma evolução no diálogo, a fim de se aperfeiçoar o projeto. Mas tenho uma particular restrição ao (atual) modelo, que delega o poder desapropriatório ao parceiro privado. Acho difícil achar interessados, pelo risco, que é alto do ponto de vista jurídico. Veja que o Porto Maravilha (de revitalização da zona portuária do Rio) não prevê isso.
Como adaptar esse projeto para São Paulo?
Estamos trabalhando um conceito que envolve as duas margens do Rio Tietê. Vamos pensar em uma ou duas operações urbanas. Ou só Operação Tietê ou também Lapa-Brás. Há duas obras estruturantes que podem melhorar significativamente o equilíbrio da cidade. Entendo que essa é mais estrutural porque contribuiria para a revitalização do centro, já que o Tietê passa próximo às áreas centrais. Essas duas obras reestruturariam a cidade, como já pensava Saturnino de Brito (engenheiro carioca que trabalhou no planejamento paulistano nos anos 1920), que organizava São Paulo a partir dos rios. Totalmente diferente do que fizemos nos últimos 80 anos, quando fomos em direção ao Rio Pinheiros, destruindo tudo o que tinha pela frente.
Recuperar os rios parece um grande sonho para o senhor.
Digo com toda a tranquilidade que é um sonho ver os rios incorporados à paisagem urbana, como em outras cidades do mundo. Temos de somar muita energia nesse projeto logo no primeiro ano.
O senhor fala em enterrar a linha de alta tensão da Eletropaulo e construir na zona norte uma avenida no estilo da Faria Lima. Como pretende fazer isso?
Do lado sul (do Tietê), temos a Avenida Marquês de São Vicente, que é bem estruturada. Do outro, não temos. Essa outra é importante porque desembocaria no centro. Com ela, organizaríamos o espaço urbano mais nobre e degradado da cidade.
Muitos paulistanos reclamam que a cidade está descuidada. Como reverter essa imagem?
É importante dar mais poder e mais verba às subprefeituras. Vou devolver a elas autonomia para que realizem pequenas obras. As subprefeituras foram esvaziadas e hoje não há orçamento para isso.
O senhor vai mexer nos contratos de varrição? O que achou do aditivo de R$ 360 milhões ao contrato feito neste ano pelo governo Kassab?
É, cresceu demais. Vou ter de cobrar a boa execução desses contratos, compatível com o valor. A Prefeitura tem de aprender a lidar com esse contrato, extraindo tudo o que ele pode dar para a cidade.
O senhor vai manter a Operação Delegada (em que PMs trabalham para a Prefeitura no horário de folga)?
Já sentei com o comandante da PM. Vamos manter a operação, mas o escopo deve ser mudado.
Não será só de combate a camelôs?
É, hoje está muito fixada nisso, mas há uma estimativa de que outras funções possam se valer dela. Por exemplo: se um posto de saúde não tem médico por falta de segurança, um policial pode ser colocado ali para não privar a população desse serviço. A Operação Delegada pode ser uma solução.
A gestão Kassab ficou marcada por uma política de restrições. O senhor vai mantê-las?
Não pretendo abrir mão do controle. As leis devem ser cumpridas. É preciso sinalizar isso desde o primeiro dia. Mas a administração tem a obrigação de verificar o que pode fazer para melhorar o funcionamento da cidade. Isso não quer dizer afrouxar nem endurecer.
O senhor foi um dos idealizadores dos CEUs (Centros Educacionais Unificados). Pensa em retomá-los?
Sim, temos o compromisso de fazer 20 novas unidades.
O que São Paulo tem de melhor e de pior?
São Paulo é uma cidade apaixonante, ímpar, um centro cultural, universitário, que tem 55 países representados na culinária. Mas tem de funcionar melhor.
Qual foi o melhor prefeito que a cidade já teve?
A Marta (Suplicy).
Que marca quer deixar?
O ser humano funciona por expectativas. As pessoas que moram aqui desejam saber que a cidade vai estar melhor daqui a dez anos, que vai valer a pena cada vez mais.
Assim como o carioca se sente hoje? É questão de autoestima?
Sim, é isso. Ninguém imagina que tudo será resolvido em quatro anos, mas São Paulo precisa recuperar esse sentimento. A cidade tem de ter um rumo.
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