Por Roberto Rockmann | Para o Valor, de São Paulo
De segunda a sexta-feira, a jovem Camila Moreira Moraes, de 22 anos, acorda pouco antes das sete da manhã, toma banho e café e segue para a estação do Metrô perto de onde mora, no Tatuapé, zona leste da cidade. Depois de cerca de meia hora de percurso, pega um ônibus até Pinheiros, na zona oeste, onde chega por volta das nove da manhã à agência de turismo em que trabalha. Às 18 horas, quando acaba o expediente, Camila faz o caminho inverso. Leva de duas a três horas para ir e voltar ao trabalho. "Mas isso quando São Pedro ajuda, porque quando chove e tem muito trânsito posso demorar até duas horas e meia só no caminho de volta", conta.
Há milhões de paulistanos na mesma situação, ou em piores. Moram longe do emprego e enfrentam o trânsito caótico todo dia. Principal polo econômico do país, São Paulo apresenta um quadro pouco equilibrado: as seis subprefeituras que formam o centro expandido da cidade – Sé, Pinheiros, Lapa, Vila Mariana, Santo Amaro e Mooca – reúnem 17% da população, mas detêm 64% dos empregos da cidade.
O futuro sustentável da cidade, que hoje completa 459 anos, está em equacionar as desigualdades, ou seja, ocupar melhor o espaço, ampliar a geração de riqueza nas zonas menos ricas e incluir as diferentes classes sociais em todas as áreas. "Alterar a dinâmica de crescimento da cidade é essencial para o futuro", diz o arquiteto Jorge Wilheim. "É preciso reestruturar onde o emprego e a moradia estão e alterar a lógica atual, que concentra os negócios no centro expandido e cria moradias para a classe baixa e média em uma zona periférica, agravando vários problemas", afirma o vereador Nabil Bonduki (PT-SP), membro do grupo de trabalho que elaborou o plano de urbanismo do atual governo municipal.
Nesse contexto, o governo municipal pretende desenvolver um projeto chamado de "Arco do Futuro", que busca romper com a estrutura radial-perimetral planejada há 70 anos, que concentrou o avanço dos negócios no centro expandido. O Arco é formado por uma linha curva irregular estruturada em torno do centro expandido, que se alongaria em direção à zona leste, onde se concentra a maior parte da população.
O projeto é bem visto pelos especialistas da área, mas todos alertam que é um primeiro passo para mudar a dinâmica de expansão da metrópole. "É um plano de longo prazo, que não se encerra em um mandato ou uma gestão de quatro anos, mas um pontapé inicial de uma proposta urbanística que tem riscos ao seu redor", afirma a arquiteta Raquel Rolnik, professora da Universidade de São Paulo (USP) e relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada.
Avançar com o projeto envolve atacar diversas frentes. Uma delas é o Plano Diretor da Cidade de São Paulo, aprovado em 2002, que deveria ter sido revisado há cinco anos, mas ainda não foi. "Por conter as diretrizes estratégicas de urbanismo, determinando quais regiões devem ser adensadas, quais as prioridades, ele é bastante importante para que o Arco possa ser viabilizado nos próximos anos", afirma o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo, Sergio Watanabe. No plano, por exemplo, são determinados os coeficientes de aproveitamento de construção em cada área da cidade, o que pode facilitar o adensamento em algumas regiões.
Financiar o projeto é outro desafio: durante a campanha, as projeções eram de R$ 20 bilhões ao longo dos anos nas várias frentes propostas. Um cenário hoje distante da prefeitura paulistana, que primeiro precisa equacionar a renegociação de sua dívida com a União, uma despesa que compromete cerca de 15% da receita. "A capacidade de investimento é muito baixa", diz Watanabe. Em tempos de Selic a 7,25% ao ano, a cidade paga taxa de IGP-DI mais 9% ao ano para o governo federal, o que reduz sua capacidade de tomar empréstimos e fazer frente aos investimentos. O orçamento municipal inicial era estimado em R$ 42 bilhões nesse ano, mas a prefeitura congelou R$ 5,2 bilhões. A princípio, só serão executados projetos que conseguirem verba para viabilização e quem reduzir custeios terá preferência.
Outra parte da equação refere-se à habitação. Para reduzir desigualdades, será preciso criar opções de habitação para todas as classes sociais em toda a cidade. O problema é que a valorização imobiliária tem dificultado a aquisição de terrenos em áreas mais centrais. "O projeto Minha Casa, Minha Vida tem muitas dificuldades aqui. Talvez, para acelerá-lo, fosse preciso a discussão de mais subsídios, seja do governo do Estado, seja da prefeitura", diz Watanabe.
Uma das regiões com obras previstas no Arco do Futuro é a zona leste, que já recebe intervenções como a construção do estádio do Corinthians, em Itaquera. Avançar com investimentos nas outras regiões de São Paulo, no entanto, será difícil: na zona norte, a serra da Cantareira é um obstáculo natural, enquanto na zona sul os mananciais restringem a ocupação.