Por Juan Garrido | Para o Valor, de São Paulo
A meta do governo paulista com o novo plano de requalificação das marginais Tietê e Pinheiros e seu entorno é reintegrar os dois rios ao dia a dia da população, por meio de um sistema de locomoção alternativo. Afinal, o divórcio – há mais de quatro décadas – entre os rios Tietê e Pinheiros e a massa humana que habita a metrópole paulistana foi causado, em grande parte, pela construção das duas artérias de alta velocidade que os ladeiam. Outro agravante dessa desunião foi um fator largamente familiar aos olhos e olfato de qualquer pessoa: o Tietê e o Pinheiros foram sendo usados como esgotos a céu aberto nas últimas décadas, o que criou um grave problema ambiental até hoje não resolvido.
Para redimi-las agora é de fato indispensável recuperar a relação da cidade com seus próprios rios. "O nosso atual projeto expressa uma visão cosmopolita e transformadora", sustenta o secretário estadual de Desenvolvimento Metropolitano, Edmur Mesquita, para quem, assim que sair do papel, depois de ser discutido com a sociedade e com o setor privado, o plano visa permitir que as dobradinhas transporte hidroviário/portos e ciclovias/clubes de bicicleta – aliadas a um sistema de transporte local percorrendo a extensão das marginais (que poderá ser um monotrilho) -, funcionem de forma integrada e complementar.
Segundo Mesquita, o plano prevê, além de uma ciclopassarela ligando a Cidade Universitária (USP) às margens do Rio Pinheiros e ao Parque Villa-Lobos (na zona oeste da cidade), uma série de intervenções para a recuperação urbanística do complexo viário Cebolão, cuja área, no encontro entre os dois rios, poderá virar um parque ou outro tipo de área verde. O mesmo está previsto para as regiões do Tiquatira, do Ceagesp e do complexo da Rodoviária. "A revitalização do sistema Tietê-Pinheiros envolverá uma área que se alastra da Barragem da Penha, na zona leste da capital, até as proximidades da Represa Billings, na divisa com o ABC."
Por conta do excesso de tráfego de veículos e da desordenada ocupação do solo, o entorno do Tietê e Pinheiros e das artérias às suas margens não oferecem espaço suficiente para a convivência social. Na visão do secretário, isso precisa mudar porque esse sistema é a porta de entrada da Grande São Paulo, e como tal deve ser tratado. A proposta do governo é entregar à população cerca de 50 quilômetros de áreas de lazer, transformando a região no maior e mais evidente cartão de visitas da cidade.
Mesmo representando um desafio incomum e que exige coordenação multissetorial e intergovernamental (Estado afinado com a prefeitura), o plano vem recebendo boa acolhida entre especialistas nas áreas de transportes e políticas públicas. Afinal, de há muito que a praga do excesso de veículos em circulação mantém impressas suas digitais monstruosas na marginal Tietê (principal via da cidade) e na marginal Pinheiros (considerada a via mais perigosa), por meio dos constantes engarrafamentos.
E também não é de hoje que se tentam soluções para fazer o trânsito fluir mais rapidamente por lá. A recente construção de novas pistas na marginal Tietê foi a última. Muito embora – como lamenta o decano entre os consultores da área de transportes, Adriano Murgel Branco – essa intervenção tenha atraído mais carros à avenida. "A cada alargamento das vias corresponde nova entrada de veículos indesejáveis."
Na visão de Branco, o sistema monotrilho – embora carente de experiências mais concretas no Brasil -, se coaduna com o projeto da região. "O monotrilho ocupa pouco espaço e não se corre o risco de um visual ruim, como é o do Minhocão [Elevado Costa e Silva], graças à amplitude das áreas conexas", diz, acrescentando que a ideia de usar as margens do sistema Tietê-Pinheiros para abrigar transporte coletivo – que não é nova – merece apoio. "O que lá se fez até hoje, infelizmente, foi reduzir a largura dos rios e ocupar as suas áreas de acomodação de cheias, apenas em favor do tráfego de automóveis e caminhões."
O arquiteto Bruno Padovano, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), acha que o plano de requalificação das marginais vem em boa hora. "Trata-se de intervir numa área nobre para o desenvolvimento urbano sustentável, estimada em 75 quilômetros quadrados, de grande interesse para o mercado imobiliário e para a administração pública, com vistas à possibilidade da realização de múltiplas parcerias público-privadas com bem definidos benefícios públicos."
A urbanista Regina Meyer, também professora da FAUUSP, lembra que uma das máximas do urbanismo no final do século XIX já era: "Não faça pequenos planos, eles não têm o poder de agitar a imaginação das pessoas". Nesse sentido, ela considera ótima a ideia de requalificar as marginais, mas alerta que essa recuperação exigirá um plano urbanístico muito complexo. "É um programa sério a ser implementado de forma racional e cumulativa ao longo de 20 anos, no mínimo."
Segundo Regina, os espaços urbanos que são cortados pelas duas marginais são muito diversificados. Há bairros maciçamente residenciais e bairros exclusivamente industriais ao longo de ambas. Ela lembra que a saída da atividade industrial de alguns bairros lindeiros às marginais, tais como a Vila Leopoldina (no caso da marginal Pinheiros) e Casa Verde, Pari, Mooca e Brás (no caso da marginal Tietê) está produzindo transformações intensas e rápidas. "Basta observar qualquer mapa dos lançamentos imobiliários nestas áreas para se certificar disso." (JG)