Como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre usam a tecnologia para resolver problemas e eliminar gargalos históricos nos serviços públicos.
Por João VARELLA
O mundo passa por um processo de urbanização nunca visto na história. Metade da população vive em cidades, fatia que aumentará para 70% até 2050, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Só na China, 300 milhões de habitantes de regiões rurais se mudarão para os centros urbanos nos próximos 15 anos. No Brasil, quase 85% da população nacional – o que corresponde a mais de 160 milhões de pessoas – mora em cidades. Viver em São Paulo, a maior capital do País, com seus 11,3 milhões de habitantes, é praticamente um inferno. E seria pior não fosse o auxílio de tecnologias adotadas em cidades inteligentes, como San Diego, nos EUA, e Fujisawa, no Japão.
O adensamento populacional de grandes proporções nas áreas urbanas, no Brasil e dos demais países, impõe uma série de desafios aos gestores públicos, como garantir qualidade de vida e o bom funcionamento dos sistemas de transporte, energia e saneamento. Nesse processo, a tecnologia é uma aliada poderosa, capaz de auxiliar na modernização das estruturas dos municípios e nos modelos de governança. É nesse contexto que ganha força o conceito “smart cities”, ou cidades inteligentes. Muito utilizado para designar aparelhos conectados à internet – smart TV e smartphone, para citar dois exemplos –, o sufixo smart hoje também batiza as cidades que redesenham sua infraestrutura urbana em torno de um modelo mais sustentável e que integra a internet ao seu dia a dia.
As tecnologias empregadas vão de sensores que ajudam na segurança pública até o uso mais racional da energia elétrica. Em estudo divulgado em 2011, a consultoria americana ABI Research identificou 102 projetos de smart cities em andamento no mundo, que devem movimentar US$ 40 bilhões, até 2016. “Esse conceito está decolando no mundo”, afirma diz Josh Flood, analista da ABI. “Hoje, o maior investimento se dá em projetos das áreas de distribuição de energia elétrica, mas nos próximos cinco anos veremos um aumento nas verbas destinadas ao setor de transportes.” De olho nessa tendência, algumas capitais brasileiras, como Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, já buscam apoio na tecnologia para seus projetos de gestão.
E não só elas. Em São Paulo, a Sabesp adota um mecanismo que os especialistas do mercado chamam de smart water, para gerenciamento de água. O principal objetivo desse sistema, desenvolvido pela Siemens, é supervisionar a distribuição, com o gerenciamento automático dos níveis dos reservatórios e o controle de vazão para evitar falhas no abastecimento. Uma central mostra 24 horas por dia, em gráficos coloridos, qual a situação do sistema de abastecimento – em caso de uma emergência, equipes podem ser acionadas de imediato. Outro exemplo de aplicação tecnológica em São Paulo é a Linha Amarela do Metrô, que compreende as estações Butantã, Pinheiros e Brigadeiro, entre outras.
Inaugurado em 2010, o ramal conta com uma frota sem condutor, solução que permite a operação remota dos trens e um menor tempo de espera para o usuário nas plataformas. Segunda maior cidade brasileira, o Rio de Janeiro privilegiou outras áreas em seus projetos de gestão inteligente. Lá, foi inaugurado em 2010 o Centro de Operações Rio cujo objetivo é gerenciar serviços públicos em todo o município. Essa espécie de quartel-general de crises, construído com tecnologia de empresas como Cisco e IBM, monitora a capital do Estado com mais de 400 câmeras. Além disso, cerca de 30 órgãos públicos estão integrados ao sistema, o que permite que sejam acionados no caso de emergências. “O modelo de governança tem de estar baseado em estratégia e na diminuição da distância entre as secretarias”, afirma Cezar Taurion, gerente de novas tecnologias da IBM Brasil.
O custo mensal da operação é de R$ 1,5 milhão – a conta inclui o aluguel de equipamentos e manutenção. Porto Alegre também instalou um centro de operações similar no fim do ano passado. A capital gaúcha foi além e também conta com projetos inteligentes de iluminação pública. Segundo André Kulczynski, presidente do Procempa, empresa municipal de tecnologia da informação, 85 mil pontos de luz na cidade já estão aptos a receber um sistema remoto de gestão. “Poderemos diminuir a potência das lâmpadas em 20% quando não houver movimento na rua”, diz Kulczynski. “Também faremos a manutenção preventiva dos postes, o que evita gastos desnecessários.” A economia esperada para a cidade, a partir de 2014, é de 30% nesse tipo de serviço, que no ano passado gerou gastos de R$ 41 milhões.
COMUNICAÇÃO INTEGRADA No caso da nova sede do governo de Minas Gerais, inaugurada em 2010, a tecnologia foi usada para aperfeiçoar os sistemas de comunicação. A Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, abarca 55 órgãos do Estado. Entre as paredes do conjunto de prédios, cujo projeto arquitetônico foi criado por Oscar Niemeyer, passam cabos de comunicação integrada. O projeto incluiu a instalação de aproximadamente 11 mil ramais IP– ligações entre esses telefones não são taxadas. Além da busca de eficiência, o governo do Estado afirma que a economia gerada com a nova sede, que custou R$ 1,7 bilhão, é de R$ 92 milhões por ano. Os projetos de cidades inteligentes no Brasil estão mais avançados nas capitais, mas não são exclusividade delas.
Uma das iniciativas mais promissoras está em Búzios, no Rio de Janeiro. Uma parceria entre a Ampla, concessionária local de distribuição de energia, e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prevê investimentos de R$ 40 milhões até o fim de 2014 para melhorar o fornecimento de energia no município. No centro da cidade, a região turística de Lagoa da Usina, por exemplo, ganhou 60 lâmpadas LED comandadas a distância, o que diminui o consumo em 60%. Essa redução deve chegar a 80% quando, em breve, sua potência puder ser alterada conforme o horário. Mais 90 pontos de luz como esse serão instalados na orla Bardot e na rua das Pedras, via mais badalada da praia e que também recebeu uma rede wi-fi gratuita.
O foco central do projeto é o smart grid, o modo como o setor se refere às redes inteligentes de energia. Pouco mais de 200 residências da cidade ganharam medidores inteligentes, que fornecem informações para os consumidores organizarem melhor o seu consumo. Além disso, elas ganharam três tomadas especiais, que permitem o desligamento de equipamentos por meio de celulares, e painéis solares. Com esse último item, os consumidores podem “revender” a energia gerada para a concessionária, o que na prática gera um abatimento na conta de luz. A cidade foi escolhida pela Ampla para receber esse projeto-piloto em função de seu caráter turístico, de ter um território pequeno e estar situada numa ponta isolada da rede da companhia, o que facilita os testes.
No pequeno município de São Lourenço da Mata, na região metropolitana do Recife, que está construindo a Arena Pernambuco, as obras para a Copa de 2014 são o principal estímulo para a adoção de sistemas inteligentes. Aproveitando o embalo das mudanças necessárias serão construídos na região do estádio vários empreendimentos, como um centro esportivo coberto, hotel, shopping center, supermercado e uma parte de um novo campus universitário. No pacote de projetos está um centro de comando e controle de segurança pública, que está sendo desenvolvido em conjunto pela empresa japonesa NEC e a construtora Odebrecht. No prédio que reunirá os sistemas da polícia e dos bombeiros, 100 monitores de 46 polegadas mostrarão imagens de câmeras instaladas no estádio e nas ruas próximas.
O cronograma de obras em São Lourenço da Mata se estende até 2025 e prevê investimento de R$ 1,6 bilhão em infraestrutura, incluindo serviços de acesso à internet e mobilidade urbana. À primeira vista, projetos como esses podem parecer devaneios tecnológicos, mas não são. Todos eles são de execução factível nos municípios brasileiros. Essa é a opinião de diversos especialistas do País, entre eles o doutor em história da economia Maurício Broinizi, coordenador do Programa Cidades Sustentáveis e da ONG Rede Nossa São Paulo. Segundo ele, embora o Brasil tenha gargalos evidentes, o acesso à internet e à tecnologia está se disseminando no País. “Não há motivos para não tornar os processos das cidades mais inteligentes e eficientes”, diz Broinizi. “Entramos no caminho sem volta das sociedades conectadas.”