Arquiteto parceiro de Niemeyer fala sobre desintegração das cidades e mau gosto da arquitetura
NATALY COSTA – O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO – O arquiteto carioca João Filgueiras Lima, o Lelé, foi contemporâneo de Oscar Niemeyer e mudou-se para Brasília para ajudá-lo a projetar e construir a cidade no fim da década de 1950.
Hoje morando em Salvador, esteve em São Paulo na terça-feira, 12, para divulgar seu último livro, Uma experiência na área da saúde, no Museu da Casa Brasileia, Lelé falou ao Estado sobre o mau gosto na arquitetura de hoje e a falta de planejamento que piorou a qualidade de vida nas metrópoles. "As cidades são um grande Frankenstein."
Como você enxerga o crescimento das cidade hoje?
Há um descontrole geral. Hoje em dia tudo é imagem, e os prédios e as cidades refletem isso. A arquitetura privilegia as fachadas, o prédio tem de ser diferente. Em Salvador tem um shopping de cimento que resolveram simplesmente revestir de vidro. É essa coisa do envelopamento que nasceu na Alemanha, para a Alemanha oriental se parecer com a ocidental.
Você acha que os prédios novos estão ficando todos iguais?
Não sei se iguais, mas tem um mau gosto aí. Tem a questão da moda que cria essa linguagem, até mesmo para os prédios. Eles têm de se vestir daquela forma, todos iguais, para ficar na moda. E os arquitetos, para sobreviver, vão a reboque dessas pressões. Então são indiretamente culpados. Mas a sociedade também manda. Estamos em um ciclo vicioso.
Fala-se muito na pressão do mercado imobiliário, que se defende alegando que as pessoas precisam ter onde morar…
Todo mundo quer morar onde convém e o mercado se aproveita disso para fazer um adensamento descomprometido com a cidade. Você adensa áreas e cria problemas em outras. Imagine um corpo humano, todos os órgãos têm de estar integrados. De repente alguém diz ‘ah, vamos fazer aqui um coração enorme!’ Não adianta, o peito vai estourar porque o coração é muito grande.
Mais planejamento urbano faria as cidade mais harmoniosas? Não tem mais como planejar. Uma cidade é feita de relações, da integração entre prédios vizinhos, mas isso não é mais prioridade. As cidades estão se desintegrando. O arquiteto pode até se preocupar, mas a cidade não oferece mais solução. Veja a Cidade do México, São Paulo. São cidades insolúveis. Estão sempre tentando resolver problemas imediatos, que às vezes duram um pouco, mas em sua maioria são soluções efêmeras.
As ações do poder público são fragmentadas?
Sim, cada um pensando na sua gaveta. Isso decorre de um mundo cada vez mais especializado. Veja na medicina, a figura do clínico praticamente desapareceu. O arquiteto deveria ser o clínico da cidade. No entanto, não tem uma visão global e as obras viram um Frankenstein. A cidade é o maior Frankenstein de todos.
Também há uma diferença entre a cidade vista no centro e a cidade da periferia…
Sim, evidentemente, quando os gastos com imagem ficam proibitivos aí se revela outro tipo de arquitetura, pobre, sem interesse tecnológico, desprovida de integração e beleza. Quando a gente sai dos centros das cidades e vai para áreas mais pobres são dois mundos diferentes, que convivem de uma maneira terrível.
O senhor vê alguma cidade brasileira que seja um modelo de crescimento?
Não, porque todas elas sofrem esse tipo de pressão do adensamento, feita pelo mercado imobiliário. A questão do automóvel é que se tornou um problema sério. Curitiba, na época do Jaime Lerner (arquiteto, ex-prefeito da cidade), investiu em transporte público, virou referência. Mas hoje já tem problemas. Vejo ações setorizadas que parecem eficientes, como o BRT (Bus Rapid Transit) da Barra da Tijuca, no Rio. Mas só serve àquele setor, não é uma coisa integrada.