ADRIANA FERRAZ, FELIPE FRAZÃO – O Estado de S.Paulo
O prefeito Fernando Haddad (PT) estuda uma forma de levar postos de saúde privados à periferia de São Paulo. A ideia é oferecer uma contrapartida a empresas do setor dispostas a instalar leitos, laboratórios ou consultórios médicos em regiões que hoje são atendidas apenas pelo Sistema Único de Saúde. Dar isenção tributária é uma das possibilidades trabalhadas pela atual gestão.
O objetivo é dividir a responsabilidade com planos de saúde populares, que vendem serviços nos extremos da cidade, mas só mantêm unidades nas áreas centrais. De acordo com estimativa da prefeitura, apesar de 56% da população pagar algum tipo de convênio médico, boa parte desse total utiliza a rede pública, que, por sua vez, não é ressarcida pelos planos de saúde.
Segundo o secretário municipal da Saúde, José de Fillipi Júnior, essas empresas poderiam ser incluídas no Arco do Futuro, projeto que visa a descentralização do desenvolvimento da cidade, criando mecanismos que aproximem a moradia do trabalho do paulistano. Ele defende, por exemplo, a isenção fiscal como forma de atrativo, assim como deve ocorrer com empresas do setor da construção.
"Acho que é uma coisa de médio prazo, mas tem espaço para isso. Como secretário, eu posso contribuir. Os serviços de Saúde contribuem com ISS, são prestadores de serviço", afirma Filippi. Ele argumenta que é melhor cobrar da iniciativa privada uma melhor distribuição dos serviços pelo território do que esperar o Ministério da Saúde cobrar dos convênios o ressarcimento pelo atendimento no SUS – conforme previsto em lei.
"Eu não quero dinheiro. Eu quero que eles montem um hospital, uma maternidade lá (na periferia). Porque não tem. E os segurados deles aonde vão procurar atendimento?", pergunta o secretário. "Eu até falei com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Como conceber uma região de 1 milhão de habitantes, como M’ Boi Mirim, na zona sul, sem um único leito privado? Há 400 mil pessoas lá com convênio médico. A ANS (Agência Nacional de Saúde) tem de começar a regulamentar isso."
Mas, na opinião de Filippi, só o ressarcimento não resolve, já que as unidades do SUS continuariam sendo procuradas por pacientes com plano de saúde. E assim, permaneceriam superlotadas, sem condições de prestar bom atendimento.
Outorga. Creditada ao ex-ministro da Saúde Adib Jatene, a Outorga Onerosa da Saúde chegou a ser cogitada durante a gestão de Gilberto Kassab (PSD). O então secretário Januário Montone apresentou a ideia na Câmara Municipal, em novembro de 2008. Mas não teve acolhida entre os vereadores.
O projeto consiste em cobrar do setor privado um valor pela construção ou ampliação de hospitais em regiões já saturadas, como o centro expandido, os eixos das Avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima. E, com o dinheiro pago, abrir um fundo para financiar a construção de unidades de saúde na periferia – ou ainda obrigar o empreendedor a construir um hospital menor onde há carência de vagas.
A ideia também poderia ser adaptada para que a iniciativa privada financiasse o home care, o atendimento médico em casa. Mas, em ambos os casos, Montone destaca um entrave: depois de instalada, quem faria a manutenção da unidade ou do serviço viabilizado por meio da outorga? A saída, segundo ele, é negociar caso a caso.
O ex-secretário cita como experiência a negociação bem-sucedida entre o município e a Beneficência Portuguesa durante a gestão Kassab. "Eles queriam aumentar o atendimento privado na região da Bela Vista, e nós não concordamos. Negociamos e a Beneficência, que já tinha um projeto de hospital na zona leste, acabou arrendando o antigo Nossa Senhora da Penha. Lá, funcionam hoje quase 500 leitos exclusivamente atendendo pelo SUS", diz.
Eduardo de Oliveira, secretário-geral da Federação Brasileira de Hospitais, disse que o País perdeu cerca de 100 mil leitos lucrativos (privados) entre o fim da década de 1990 e início dos anos 2000, especialmente nos bairros mais afastados e regiões mais carentes. "Não houve reposição desses leitos", diz. Isso aconteceu, segundo ele, porque a carga tributária para os hospitais é de 20%, o que tornava inviável manter as unidades em regiões com menor poder econômico.
Para ele, se a proposta do prefeito Haddad incluir a desoneração desse imposto, pode ser um bom caminho. "O prefeito está no caminho certo. É preciso fazer alguma coisa. Se isso acontecer, será uma corrente de estímulo para dar condições da rede privada voltar a prestar serviços junto com a rede pública", avalia.
José Cechin, diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), afirmou não ter conhecimento sobre o projeto.
"Mas, a intenção do projeto está no sentido da maior participação privada na prestação de serviços de saúde. Incapaz de atender a todos os cidadãos, a prefeitura oferece, corretamente, incentivos para que prestadores privados se estabeleçam em locais com baixa capacidade do setor público", diz em nota.
Arlindo de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), informou que não conhece a discussão da prefeitura. / COLABOROU FERNANDA BASSETTE