“100 dias de Haddad” – Folha de S.Paulo

Entre promessas cumpridas, troca de farpas com o antecessor e problemas com a falta de verbas, prefeito de São Paulo tenta dar forma a sua gestão
 
Na próxima quarta-feira, o prefeito Fernando Haddad (PT) cumpre uma etapa simbólica à frente da maior cidade do país. A data marca o fim do período de início de mandato. Consequentemente, problemas "herdados" da gestão anterior passam a ser seus problemas. Por outro lado, avanços na administração municipal tornam-se conquistas do atual governo.
 
Nesse período, Haddad implantou um projeto de campanha: acabou com a taxa da inspeção veicular. Porém, teve problemas em outras áreas, como a dificuldade da cidade em se recompor após os transtornos causados pelas chuvas.
 
O fim do tom amigável e as críticas de Haddad a Gilberto Kassab (PSD), seu antecessor, também marcaram o início de mandato do petista, que com os cofres vazios se viu obrigado a anunciar cortes de 20% nos contratos das secretarias municipais.
 
São Paulo é difícil, tenho em média uma crise a cada dia
 
Apesar dos problemas, prefeito diz que planejou parte da gestão e adotou medidas capazes de deixar sua marca
 
ALAN GRIPP
EDITOR DE “COTIDIANO”
EVANDRO SPINELLI
DE SÃO PAULO
 
Fernando Haddad (PT) completa na quarta-feira cem dias à frente da Prefeitura de São Paulo. Para ele, esse tempo ainda não foi suficiente para fazer as mudanças que pretende, mas já deixa marcas.
 
Foram também cem dias de pequenas crises. Todo santo dia, segundo ele próprio. "Tenho uma crise por dia. São Paulo é difícil."
 
Quando a Folha chegou ao seu gabinete, na sexta-feira, o prefeito monitorava pelo Twitter alguns desses problemas. Acidentes de trânsito, pontos de alagamento, interdições -reflexos da chuva da vez, na madrugada.
 
Para ele, medidas já adotadas como obras de drenagem, o fim da taxa da inspeção veicular e a transferência de terrenos para universidades públicas são algumas das marcas mais importantes da largada de sua gestão.
 
Haddad evita ataques diretos ao antecessor, Gilberto Kassab (PSD), com quem a presidente Dilma flerta já pensando na reeleição.
 
Mas lista uma série de problemas que diz ter herdado, como a falta de recursos para as obras da Copa.
 
FOLHA – Como o sr. avalia o início de seu governo? O que já deu para fazer? Quais são as marcas?
FERNANDO HADDAD – Eu penso que tomamos algumas medidas importantes e fizemos o planejamento estratégico dos quatro anos. Para nós, foi um momento importante da cidade, que vive um momento de se repensar. E muita coisa foi feita já, com boas perspectivas de melhoria.
 
O que já foi feito neste período que mostra a marca do que serão os quatro anos do teu governo?
Não saberia dizer. Teve a divulgação do plano de metas e tal, mas eu penso que nós pudemos dar consequência a uma série de coisas que vinham sendo ditas. Vou citar alguns exemplos, para deixar isso mais claro, do que já aconteceu na cidade nesse curto espaço de tempo.
 
Nós defendíamos que era possível doar os terrenos para o Ministério da Educação instalar a rede federal na cidade. Nós cedemos uma área pública para o Ministério da Educação em Pirituba e desapropriamos uma em Itaquera. São dois equipamentos importantes para a cidade, porque compõem o que estamos chamando de anel universitário da região metropolitana, que ganhou muitos equipamentos federais. Deve sair nos próximos dias o decreto de desapropriação dos terrenos para creches e hospital, provavelmente começando pelo de Parelheiros.
 
Acabamos com a taxa de inspeção veicular e modulamos a frequência de maneira mais racional, de maneira também a não perder a arrecadação de IPVA ao mesmo tempo que, seguindo parâmetros internacionais, controlamos a emissão de poluentes.
 
Na área de drenagem, as coisas têm uma perspectiva importante de melhoria, porque temos projetos já avançados em bacias importantes: Zavuvus, Cordeiro, Ponte Baixa, Aricanduva, Água Preta. Nós temos a perspectiva de, em quatro anos, dar uma boa solução para o problema de macrodrenagem.
 
Também avança o estudo técnico sobre praça da Bandeira, Anhangabaú, e Anhaia Melo, com a PPP do Estado e cessão do terreno pela prefeitura. É um assunto bem endereçado para os próximos anos. Microdrenagem, que era um assunto relegado nem a segundo plano, um assunto esquecido, estamos em meio à licitação de 79 intervenções na cidade, 79 pontos de alagamento, já com repercussão para o próximo verão.
 
Autorização da licitação da modernização da rede semafórica, dos faróis da cidade que não funcionam em período de chuvas.
 
Alinhamento total com o Minha Casa Minha Vida. Nós estávamos desgarrados do Minha Casa Minha Vida, baixíssima produção habitacional na cidade de São Paulo em comparação com qualquer cidade, capital ou interior. Casa Paulista é uma iniciativa, mas na área de mananciais, na área da Água Espraiada, essa questão do Pinheirinho 2 que nós incidimos de maneira rápida para evitar um drama social enorme. Então, são mudanças significativas.
 
A criação da CGM, que é uma coisa insuportável essa pequena corrupção. Assim como a grande, mas a pequena também é insuportável. A criação da CGM já demonstrando uma política moderna de combate à corrupção, sem aqueles factoides habituais, mas políticas consistentes de cruzamento de dados, inteligência, alinhamento com a Polícia Civil, aparelhamento da prefeitura para inibir práticas ilícitas.
 
A desmilitarização das subprefeituras, com aproximação dos dirigentes com as lideranças locais, com a população em geral, retomada do diálogo na cidade. Instalação do Conselho da Cidade. Uma nova diretriz.
 
Onde o sr. imaginava implementar uma política pública e não deu certo? Onde o sr. não conseguiu iniciar o governo como gostaria?
Infelizmente, na transição, ainda existe solução de continuidade. Você ainda enfrenta problemas na transição que, por exemplo, o governo federal não enfrenta mais. Eu pretendo, até o final do mandato, regulamentar por decreto a transição.
 
Nós deveríamos, num decreto de transição, prever que nenhum contrato vença três meses antes e três meses depois da passagem de bastão. Não é razoável que você tenha vencimento de contrato em outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março do ano da transição. Acaba gerando problemas administrativos que poderiam ser superados com uma medida simples como essa.
 
Nenhum secretário poderia deixar um contrato vencido ou a vencer numa passagem de governo. Uma medida dessas já melhoraria muito o período de transição. Temos tempo, mas vamos pensar num decreto de transição quem sabe até prevendo cargos transitórios, como no governo federal. Você tem uma equipe de transição que você nomeia só para esse fim. Tem uma transição da eleição até a posse, você pode contratar pessoas para promover a transição. São coisas que podem parecer até banais, mas são de grande relevância para uma transição tranquila.
 
Onde a transição criou problemas?
Às vezes contratos vencidos que nós não sabíamos que estavam vencidos e não foram renovados. Às vezes contratos que venceram logo nos primeiros dias da administração. Paralisação de alguns serviços que não podiam ter solução de continuidade. Por exemplo, aconteceu nas áreas ajardinadas. Vinte e dois dias não são nada, mas num período de chuvas é muito. No caso desses contratos, eles estavam em vigor, só não tinham execução.
 
Foram suspensos os empenhos a partir de outubro. Isso poderia ser previsto num decreto. Inibir, evitar esse tipo de coisa. Eu garanto, não tem nada a ver com o prefeito, é a máquina mesmo que tem de ser provocada para impedir que esse tipo de coisa aconteça. Isso é natural, não é reclamação. É disciplinar esse tipo de coisa. O governo federal, até foi iniciativa do governo Fernando Henrique, de regulamentar a transição para evitar que uma repartição se acomode em função da troca de comando. O pessoal fala "ah, já não vou ficar aqui mesmo, tô saindo dia 1º". É inibir esse tipo de coisa, porque você vai sair, mas a população está aí.
 
O sr. falou de problemas na transição e de medidas que tomou no início do governo que vinham sendo encaminhados na gestão passada, como os terrenos das universidades.
O de Pirituba não. E o imbróglio de Itaquera. Nós botamos uma equipe de procuradores que, em 20 dias, desataram um nó jurídico extremamente complexo. A articulação jurídica ali, e o empenho da PGM, foi essencial para garantir a lisura do procedimento desapropriatório.
 
As obras de drenagem já tinham projetos.
Não estou tirando o mérito do que vinha sendo feito. Tem coisas que eu dei continuidade, tem coisas que eu não dei de acordo com meu discurso durante a campanha eleitoral. Por exemplo, a aproximação com a Casa Paulista em torno da PPP da Habitação não estava em curso. Em 20 dias nós conseguimos forjar a maior parceria já feita da prefeitura com o governo do Estado utilizando recursos do Minha Casa Minha Vida para repovoar uma região que tem tudo menos morador.
 
O sr. falou de muitas administrativas. Mas o sr. acredita que a grande mudança com sua posse é de gestão administrativa ou de visão da cidade? O que marca esse seu começo de governo?
É difícil para mim dissertar sobre esse assunto porque eu penso que a população é que precisa ser ouvida. Nós vamos imprimir a marca da nossa gestão no dia a dia. Você não inaugura uma cidade. A cidade está aí há 459 anos. Você vai demonstrando que as tuas ações estão coerentes com aquilo que você pregou durante a discussão que ocorreu no ano passado. O que a população espera é coerência. Ela apostou num discurso novo, numa abordagem nova, e o que ela quer é que aquela abordagem se realize na prática. A população é quem tem de dizer, ao longo da gestão e ao final dela, se de fato o discurso encontrou correspondência no modo de governar. Eu penso que estamos sendo bastante coerentes na nossa pregação até aqui.

O que mudou daquele mundo de sonhos da campanha para a vida real do governo? Onde o sr. viu que vai ser mais complicado?
Vou te citar um exemplo, já que você quer que minha vida seja dura. Por exemplo, os custos da construção na cidade de São Paulo. Me preocupa um pouco o descasamento entre os custos na cidade e as fontes que eu pretendo acionar de financiamento para essas obras. Tem alguns descompassos que eu vou ter de acertar, que eu não previa no ano passado. Custo de construção de creche na cidade de São Paulo. Precisa investigar melhor, não estou afirmando ainda, mas precisa investigar melhor por que está destoando o custo de construção de creche na cidade de São Paulo em relação aos custos que eu mesmo pude acompanhar à frente do Ministério da Educação em outras cidades.
 
O sr. acha que não vai ser possível, neste cenário, entregar tudo o que sr. imaginava de creches?
Não, não acho isso. Vou investigar para adequar os custos ao meu programa de governo. Tem muitos cortes que estão sendo feitos já, então não posso prever ainda todos os cortes que vou promover, mas todos os contratos estão sendo revisados, um por um, começando com os maiores, e nós devemos ter ganhos no corte de custeio sem prejuízo da qualidade dos serviços.
 
O sr. tomou uma medida surpreendente que foi aquele corte linear de contratos.
Não é um corte linear. É uma meta linear, mas obviamente que cada contrato está sendo julgado. Sobre essa penúria orçamentária que o sr. vai enfrentar, em que isso vai limitar as ações que o sr. pretendia ao menos para este ano.
 
Eu conheço o governo federal, conheço as linhas de financiamento que não foram acionadas, participei da área econômica do governo Lula, iniciei minha carreira pública na área econômica, tanto aqui na prefeitura quanto no governo federal. Desde sempre eu previ que tínhamos de acionar três novas fontes de financiamento para dar conta dos investimentos da cidade de São Paulo, além de duas outras que eu já menciono.
 
Nós não estamos recebendo recursos do PAC compatíveis com a dimensão da cidade e sua importância, estamos pleiteando a extensão dos benefícios de um programa chamado PAF que hoje tem só os Estados como parceiros para as capitais. Eu penso que São Paulo não pode ser tratada apenas como uma cidade. Ela é maior que a quase totalidade dos Estados brasileiros, assim como o Rio. Então, a extensão das linhas de financiamento do PAF para a cidade. E a negociação da dívida com o governo federal.
 
No front federal nós estamos adiantados em relação a esses três assuntos. O projeto de lei de repactuação da dívida já está no Congresso Nacional, já tivemos reuniões com os dois presidentes das duas casas, Câmara e Senado. Os prefeitos estão alinhados em torno dessa agenda, assim como os governadores. Eu penso que teremos até junho progressos importantes para a cidade.
 
Então não vai faltar dinheiro para a cidade?
Calma, vamos por partes. O PAF, também tive duas conversas com o ministro Guido [Mantega, da Fazenda], também duas conversas com o secretário Arno Agustin [do Tesouro], e eu entendo que há uma compreensão grande de que não é razoável excluir as grandes cidades, sobretudo as capitais, dessa nova modalidade de parceria. E o PAC está disponível. Aí é mais responsabilidade do município de apresentar bons projetos do que propriamente da União, que já os disponibiliza desde sempre. Então, São Paulo precisa acionar.
 
Quando falo o PAC, inclui o Minha Casa Minha Vida, que chegou muito timidamente na cidade de São Paulo. Isso no front federal. No front estadual, acho que a relação começou muito bem com o governo do Estado. Fiz referência ao piscinão da Anhaia Melo, por exemplo. Terreno municipal, PPP estadual. Mas podia falar da Casa Paulista, podia falar de várias ações conjuntas que estão em andamento, e parcerias público-privadas, tanto com a iniciativa privada quanto com o segmento comunitário. Incluiria aí o Sistema S. Estamos com projetos importantes junto ao Sesi/Senai. O presidente Paulo Skaf tem dado suporte aos nossos projetos. Centro cultural e centro olímpico acho que vão sair em parceria com o Sesi/Senai. E pretendemos ter a mesma relação com o presidente Abram Sjazman, da Fecomercio, no que diz respeito a Sesc/Senac. Veja que vamos ampliar muito as parcerias, porque nós entendemos que isso é um dever do prefeito, buscar parcerias. Tenho uma maneira de ver que é a seguinte: numa cidade com a complexidade de São Paulo você tem uma única opção ao compartilhamento do sucesso, que é fracassar. Ou você compartilha o sucesso de iniciativas, em função da escala da cidade, ou você fracassa.
 
Mas na prática isso se mostra muito difícil. O sr. acha que isso garante que não faltará dinheiro para a cidade de São Paulo?
Isso é que vai ser o caminho para o cumprimento das metas estabelecidas nas áreas prioritárias. Não vejo outro caminho para a cidade de São Paulo a não ser abrir a parcerias de maneira a ter uma atitude coerente com a escala dos problemas e do seu potencial. Arco Tietê, por exemplo, é impensável aquilo sem parceria com o Estado, o governo federal, a iniciativa privada. Sessenta milhões de metros quadrados que vão passar por uma requalificação seguindo diretriz de cidade compactada, mixada, servindo de moradia para todas as classes sociais, proximidade de emprego e moradia, reapropriação das águas da cidade à paisagem urbana. Isso tudo é monumental demais para um prefeito querer fazer sozinho.
 
Posso entender então que o sr. acredito que isso é suficiente para todos os projetos e metas que o sr. tem?
Eu entendo que temos potencial para a realização das metas se nós tivermos o desapego político necessário para compartilhar essas ações. O que nós não podemos imaginar é que São Paulo possa, e nenhuma cidade do mundo faz isso, possa, isoladamente, a partir do gabinete do prefeito, equacionar essas questões. Essa mudança de perspectiva é essencial para São Paulo se entender como parte de um projeto que transcende os seus limites.
 
Uma cidade que responde por 12% do PIB não é uma cidade. Ou ela percebe sua própria importância, e isso traz enormes responsabilidades para quem está no comando da prefeitura, ou ela vai sucumbir. Não há alternativa à parceria. São Paulo chegou no limite do que podia fazer sozinha. Então, quando eu noto um certo viés crítico ao fato de que eu digo que são inexequíveis os projetos sem parceria eu não compreendo muito, porque isso deveria ser enaltecido como um reconhecimento da importância de São Paulo e de que ela não pode se ver mais como se fosse uma república isolada do resto do Estado e do país.
 
O sr. tem sentido que recebe críticas pelas parcerias?
Quando o prefeito reconhece que o plano de metas que ele estabeleceu exige parcerias com a iniciativa privada, com o Estado e com a União, isso deveria ser reconhecido como um discurso edificante para construir um pacto federativo em torno de uma cidade que não cabe dentro dela própria. Ela tem de parar de se ver como um ente federado que pode ser governado como qualquer outro. Não é. Ela tem uma dimensão que extrapola os seus limites territoriais. Isso tem de ser demarcado de uma vez por todas. Isso não pode envergonhar a cidade, ao contrário, é uma cidade que não cabe dentro de si mesma. E isso é mérito dela, não é demérito.
 
Como o presidente Lula tem participado do governo nesses primeiros cem dias? O sr. tem falado com ele?
Tenho falado com o presidente Lula mais sobre outros temas do que sobre a cidade. Recebi a visita dele, que me honrou muito. Aquele dia fizemos uma troca de impressões.
 
Aquele dia foi interpretado como uma participação acima do normal. O sr. foi chamado de subprefeito do Lula. Isso te incomodou de alguma forma?
De forma nenhuma. Se o presidente Lula me ligar agora pedindo para vir aqui, vai ser recebido da mesma maneira que foi da primeira vez. Assim como outros ex-presidentes. Outro dia recebi um telefonema do presidente Fernando Henrique Cardoso agradecendo uma referência que eu tinha feito num programa de televisão a ele. Mantenho contato com ele e, se um dia ele quiser visitar a prefeitura, o convite está feito.
 
O presidente Lula dá conselhos sobre questões da cidade?
Eu até gostaria que ele se dedicasse ao assunto. Foi um grande gestor, que saiu com 85% de aprovação, pode dar bons conselhos para qualquer gestor. Mas infelizmente nossas reuniões não têm se pautado por isso. Infelizmente.
 
Qual é normalmente a pauta?
A pauta é política em geral.
 
E com o Alckmin, parece que o sr. inaugurou uma relação muito boa.
Ele também dá conselhos. Por que não?
 
Sobre a cidade?
Fala de parcerias. São gestores. Presidente Lula, presidenta Dilma, governador Alckmin, presidente Fernando Henrique. Qual é o problema disso?
 
Eu estou um pouco surpreso com esse espírito colaborativo entre prefeito e governador. O sr. espera problemas com o PT, por exemplo, por essa boa relação?
À frente do Ministério da Educação, o PSDB nunca votou contra um projeto do Ministério da Educação enquanto eu fui ministro. Nunca.
 
Mas o PSDB já votou contra projetos da prefeitura.
Mas aí é uma postura local, uma estratégia local, que eu respeito, lamento.
 
O governador o surpreendeu?
Não, porque durante a campanha toda eu disse que não abriria mão da relação com o governo do Estado, que não colocaria interesses partidários acima dos interesses da cidade, e deixei muito clara qual é minha maneira de enxergar os problemas que o cidadão vive. Não posso abrir mão desse tipo de colaboração.
 
O sr. tem uma boa relação com o governador, mas a relação com a Polícia Militar tem sido conflituosa. Nos bastidores, a PM reclama muito das mudanças na Operação Delegada.
Ninguém quer trabalhar à noite, mas como é que eu faço com a segurança pública da cidade? Não tem jeito. Contei com aval do governador para isso. Não é razoável um terço do contingente trabalhar à noite? A cidade funciona de manhã, de tarde e de noite. É razoável um terço do contingente trabalhar à noite. Eu tenho problemas à noite.
 
O sr. sentiu essa relação conflituosa?
Por parte do comandante não. Eu não tenho diálogo com a base da PM, mas por parte do comandante, não. Ao contrário, ele compreendeu e sinalizou favoravelmente.
 
Na campanha, vocês criticaram muito a relação do Serra com Kassab, muitos pontos da gestão Kassab. Depois fizeram uma aliança para o início do governo, depois veio um momento de críticas à gestão anterior. Em que a população deve acreditar: no prefeito que critica ou que se alia ao ex-prefeito?
Tem muito de especulação também, da própria imprensa que aponta sinais contraditórios onde não há. A administração pública moderna, como deve operar? No momento da eleição você leva a consideração do eleitor as arbitragens que cabe a ele promover. Ninguém discorda 100% de uma administração. O Lula quando ganhou as eleições do Serra em 2002, não discordava 100% da administração de Fernando Henrique Cardoso, mas dizia que o país precisava tomar outro rumo.
 
Nós fizemos um discurso de mudança. Mas quando me perguntavam se eu não era capaz de apontar nenhum mérito na administração Kassab eu citava aqueles que pretendia continuar. Citava a intervenção urbanística na área de mananciais, Cidade Limpa, Operação Delegada com reformulações, e levava à consideração da população teses que destoavam da maneira como a cidade vinha sendo conduzida. Por exemplo, o abandono da construção de corredores de ônibus, portanto de valorização do transporte público, falta de parceria com o governo federal, falta do Minha Casa Minha Vida na cidade. O que a população espera? Ela espera que eu seja coerente. Ou seja, que eu dê seguimento naquilo que eu dizia que era bom e promova mudanças naquilo que eu dizia que era necessário rever.
 
A minha relação com a administração anterior tem de ser pautada pelo meu discurso, pelas minhas ações, e não por uma questão de simpatia ou não com quem quer que seja. Não é disso que se trata. Eu tenho que dar consequência ao que eu disse.
 
A aliança que a presidente Dilma fez com Kassab não limitou um pouco o discurso que o sr. deveria fazer duro em relação a pontos da gestão anterior?
Quando fui ministro, eu procurava sequer mencionar a administração anterior à minha. O debate, o balanço sobre a cidade, já foi feito. Agora, trata-se de realizar um programa de governo. Ficamos 90 dias discutindo a administração anterior. Agora, a população espera medidas na direção do que foi anunciado.
 
A cidade sempre fica numa situação caótica após uma grande chuva. Como o sr. pretende lidar com a crise de infraestrutura que a cidade vive somada ao pouco dinheiro que a prefeitura tem em caixa para ações emergenciais?
A melhoria da qualidade de vida de São Paulo vai ocorrer por meio de várias ações simultâneas. Não tem uma bala de prata que vai resolver os problemas da cidade. Por exemplo, a retomada da discussão sobre microdrenagem na cidade de São Paulo, segundo os especialistas que eu ouvi, vai afetar o dia a dia da população provavelmente no próximo verão. Estamos falando de obras de duração de seis a oito meses que estão em licitação neste momento.
 
Pretendemos assinar os contratos até junho. Eu destinei R$ 150 milhões para 79 obras de microdrenagem. Incomodam os pontos de alagamento, tanto transitáveis quanto intransitáveis. E não se trata de enchente. É um outro tipo de fenômeno. São áreas que precisam ser readequadas para que o escoamento se dê de maneira mais rápida. E isso não estava no foco da administração municipal. Agora está.
 
A questão dos semáforos, dos faróis de trânsito da cidade, nós investimos cerca de R$ 20 milhões por ano na manutenção da rede semafórica e nós precisaríamos de quase R$ 200 milhões para refazê-la, porque ela está completamente sucateada. Se nós quisermos tornar os nossos semáforos inteligentes, com cálculo de fluxo nos cruzamentos para que você possa diminuir de 15% a 20% a espera no farol, e isso é possível tecnologicamente falando, são outros R$ 200 milhões. São pelo R$ 400 milhões, pode chegar a meio bilhão de reais de investimento, contra R$ 20 milhões atuais.
 
Esse meio bilhão vai ser investido já?
Estamos liberando R$ 100 milhões neste ano. Estamos quintuplicando o investimento em semáforos na cidade. As pessoas perguntam: "você vai investir R$ 100 milhões para o semáforo deixar de piscar"? Não é isso. Nós estamos investindo para o semáforo funcionar e para o semáforo regular o fluxo da cidade de maneira a você poupar 20% do tempo de deslocamento. Então, é muita coisa. É um investimento que vale a pena? Eu julgo que sim. Já pensou você ganhar 15% do teu tempo só porque os semáforos funcionam de maneira racional? É muita coisa para uma cidade.
 
Com esses dois investimentos –microdrenagem e semáforos– o sr. acha que a gente já vai ter um verão do ano que vem um pouco mais tranquilo?
Nós precisamos planejar o verão de 2014 agora. Chega em dezembro, todo mundo sai… Não, não. Temos de planejar o verão agora. Já tem uma equipe planejamento o verão de 2014.
 
O sr. acha que vai dar tempo de o próximo verão ser melhor do que este passado?
Sim, naquilo que é possível equacionar a curto prazo. Macrodrenagem é possível resolver no curto prazo? Não. Aí, provavelmente é um outro verão que vai ser beneficiado. Mas se eu conseguir resolver a questão ambiental da Água Preta, a Pompeia, daqui a três anos, vai deixar de sofrer o que sofre hoje. Mas na Pompeia não é microdrenagem. É um problema de 50 anos que vai ser resolvido com uma megaoperação. Só ali vão ser investidos R$ 200 milhões. Só ali. São os túneis de escoamento daquela aguaceira.
 
A cidade tem um longo caminho ainda?
Tem um longo caminho, mas não pode descasar o curto, o médio e o longo prazos. Você tem medidas de curto prazo que trazem bem-estar. Não se faz obra de microdrenagem na cidade de São Paulo há muitos anos. Isso pode ter um impacto já no verão que vem. Semáforo funciona um pouco melhor, se der tudo certo com a licitação, já no verão que vem. Um pouco melhor por quê? Porque dependo de uma mudança tecnológica para funcionar muito melhor. Mas um pouco melhor dá para ser.
 
Esses cem semáforos que apagam, em média, numa chuva forte, o sr. acredita que vai estar equacionado?
Eu acho que parte sim. Os nobreaks instalados. Acho que isso sim. Agora, a inteligência semafórica exige mudança tecnológica, fibra ótica. Mas por isso que eu digo: tem de trabalhar as temporalidades. Se só pensar a longo prazo… Keynes dizia que, a longo prazo, estaremos todos mortos. Isso vale também para a administração de uma cidade como São Paulo. Por exemplo, a Rede Hora Certa. Tem ação de curto, de médio e longo prazos. Mas a ação de curto prazo eu posso fazer? Gestão da fila, posso fazer? Posso fazer. Então estamos fazendo. Dos 300 mil exames de imagem atrasados, não agendados, nós vamos provavelmente chegar até maio com 150 mil agendados. Em cinco meses nós teremos resolvido 50% da fila de exames de imagem. É um belo passo, um gesto importante. Agora, a Rede Hora Certa depende da ampliação dos ambulatórios, da instalação dos centro cirúrgicos. Então, de novo, são os tempos da administração. Se você só pensar na Rede Hora Certa ideal você não toma providência de contratar 150 mil exames em caráter emergencial.
 
O sr. achava que teria tanta crise para gerir quando assumiu a prefeitura? Muitas são crises da cidade, outras que nem têm a ver com o sr. ou com a administração anterior, mas crises que acontecem. Eu consegui listar dez focos de crise nesses cem dias.
Só? Em geral eu tenho uma crise por dia. Essa é a média. Tem coisa que ninguém fica sabendo. Deixa eu dar um exemplo, e não é crítica a ninguém, é a constatação de um fato. Copa do Mundo envolve, em São Paulo, R$ 420 milhões de CID para a construção do estádio. Metade do estádio é bancada pela prefeitura por emissão da CID. R$ 130 milhões em desapropriação e aporte de recursos junto à Dersa para as obras viárias do entorno. Pelo menos, estamos estimando R$ 50 milhões para a Fifa Fan Fest aqui no Vale do Anhangabaú. Somando tudo são R$ 600 milhões. Dia 1º de janeiro estávamos há um ano e meio da Copa. Não tínhamos despendido um centavo desses R$ 600 milhões. Um centavo.
 
Os R$ 420 milhões não são dinheiro, são recursos orçamentários que não vão demandar recursos do Tesouro.
Não vai entrar no caixa. Estamos abrindo mão de R$ 420 milhões de receita. Outra coisa, sequer o equacionamento jurídico da expedição da CID, a PGM não tinha sequer se manifestado sobre a legalidade.
 
Não saiu um título até agora?
Ontem [quinta-feira] foi aprovado, depois de três meses de trabalho da PGM.
 
*Aprovou quanto? *
R$ 156 milhões, que é a medição até agora.
 
Se não tem dinheiro para as obras da Copa, essas obras estão ameaçadas?
Não. Tem. Já liberamos R$ 156 milhões de CID, que era o que tinha sido medido, e mandei transferir R$ 130 milhões para desapropriar os terrenos necessários para a Dersa construir o viário. Então, já tem R$ 300 milhões dos R$ 600 milhões que eu já coloquei à disposição agora, em 90 dias. Quem ficou sabendo disso? Ninguém. Não estava no Orçamento. Sabe quanto tinha no Orçamento? R$ 12 milhões.
 
O sr. chegou a procurar o prefeito Kassab para saber por que aconteceu isso?
Aqui nós temos de resolver o problema. E estamos resolvendo. Falta um ano para a Copa, tem de estar tudo resolvido até o final deste ano, ponto final.
 
Voltando, o sr. achava que teria tanta crise assim? Eu contei dez, o sr. contou cem…
São Paulo é difícil. Eu já passei pela Secretaria de Finanças, essa cidade é difícil. Naquele momento eram duas crises por dia, então melhorou muito.
 
Em quatro anos, quantas crises serão?
Eu espero melhorar muito a vida do meu sucessor, quem quer que seja.
 
Na saúde, o sr. falou que não vai ser possível abrir mão dos contratos
Aliás, disse isso durante a campanha quando me acusaram de querer acabar com as OS. Eu dizia: não quero, mas se quisesse seria impossível abrir mão dos convênios.
 
O sr. dizia que não abriria mão dos convênios, mas que não iria ampliá-los até que a situação estivesse resolvida. Agora o sr. fala em ampliação
As ações emergenciais eu não consigo promover sem parceria, que é a contratação de exame e contratação de pessoal.
 
Isso não é feito por meio de contrato de gestão de OS, certo?
Mas é feito por contrato de parceria.
 
As críticas eram em relação aos contratos de gestão.
Nos contratos de gestão, nós estamos mergulhados neles para estudá-los, aperfeiçoá-los. As recomendações do Tribunal de Contas estão sendo estudadas para serem encaminhadas. Isso não tem dúvida. Por exemplo, sem expandir parcerias, inclusive estamos utilizando os finais de semana. Como vamos atender mulheres que estão esperando mamografia, ultrassonografia? Não tem como. Estamos usando toda a capacidade instalada na cidade.
 
A fila já está baixando?
Temos que estabelecer um critério de mensuração, até para ter o acompanhamento dos conselhos. Estão acontecendo as marcações agora. Eu espero que até junho, vamos ver, eu também não sei. Como foi a primeira vez que foi divulgado o dado da fila, eu não sei como a curva estava se comportando, qual a inclinação da curva, para saber se ela vai aumentar menos do que no ritmo anterior ou se ela vai começar a cair. Eu não tenho a série histórica.
 
Marcar 150 mil exames não quer dizer que vai diminuir a fila.
Como eu não tenho posse da série histórica, só tenho um ponto da curva, eu preciso de mais tempo para responder essa pergunta.
 
O diagnóstico é que havia um certo descontrole na gestão da saúde?
Na verdade, os dados estão sendo apurados agora. Eu desconhecia, por exemplo, o tamanho da fila. Aliás, eu, a Folha de S.Paulo, que pediu as informações, eu desconhecia o tamanho da fila. Eu não sabia que havia 800 mil procedimentos aguardando agendamento, que é basicamente o que nós assumimos.
 
E a Controlar? O sr. não abre mão, vai romper esse contrato? O que vai acontecer?
Isso não é uma decisão política, romper o contrato ou não. É uma decisão técnica. Nós abrimos os processos administrativos para verificar se esses contratos têm sustentabilidade jurídica ou não. Inclusive uma que não envolve nenhuma questão grave, é só contagem do tempo. São dez anos, alguém tem de contar o tempo para verificar se é o caso de declará-lo extinto por decurso de prazo.
 
A Controlar está dizendo que deve contar a partir de um momento, a prefeitura de outro.
A Controlar tem uma tese, a prefeitura tem outra, mas eu vou seguir a orientação da Procuradoria-Geral do Município. Sou vinculado ao entendimento dos advogados da cidade, não posso ouvir o advogado da Controlar para tomar uma decisão como essa.
 
Essa questão pode chegar ao Judiciário
Pode. Mas já tem tanta coisa no Judiciário envolvendo a Controlar. São dezenas de ações aí, vai ser mais uma.

O sr. vai sancionar o projeto da inspeção agora? Faltam algumas coisas a regulamentar.
Deve estar subindo aqui para o gabinete. Tem uma regulamentação de como vai ser feita a devolução.
 
Pode adiantar alguma coisa?
Não tem nada de surpreendente. A lei basicamente está detalhando. A partir deste ano não muda nada, a não ser a devolução da taxa. A partir do ano que vem, a mudança já é maior, porque não há cobrança da taxa na primeira inspeção, só para quem não estiver com seu carro regulado, mas a primeira inspeção é feita com recurso do IPVA pago. Estamos falando de coisa de 3% da arrecadação de IPVA da cidade.
 
Quem vai fazer não será mais a Controlar?
Aí vai depender da decisão que a Procuradoria-Geral do Município tomar em relação a esse contrato.
 
E a taxa dos carros de outras cidades o sr. não abre mão?
Isso nós vamos aguardar. Nós estamos perdendo muito recurso do IPVA por conta do fato de que não há inspeção no Estado, isso é uma evidência empírica. Eu conheço gente que está licenciando fora da cidade.
 
Mas a região metropolitana também tem um crescimento na frota, não é só de pessoas que fogem da taxa.
Mas é muito desproporcional. Tem vários aspectos a considerar. Não é só a taxa. Tem as multas, tem o incômodo de fazer a inspeção. Eu conheço muita gente que fez o licenciamento fora da cidade e vai voltar agora a licenciar em São Paulo, porque as coisas vão estar mais racionais: carro novo, isento; carro semi-novo, ano sim ano não; carro velho ou a diesel, todo ano. Isso é assim no mundo inteiro, no mundo desenvolvimento é assim, será assim em São Paulo também.
Em janeiro, Lula reuniu-se com o prefeito recém-empossado e com secretários municipais na prefeitura e elencou prioridades para a gestão.
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