ELVIS PEREIRA e REGIANE TEIXEIR
Em São Miguel Paulista, zona leste, o prefeito se chama Aldo Sodré, não Fernando Haddad. "Ele é o superprefeito", brincou o último diante de moradores. "Quem tem de defender o interesse da região é ele, o subprefeito. Tem de bater na porta dos secretários e falar: estou trazendo soluções."
Haddad resumiu o que espera dos 31 subprefeitos no dia 25 de março, na visita acompanhada pela sãopaulo à Subprefeitura de São Miguel Paulista, chefiada por Sodré, 58. O engenheiro civil é um dos servidores de carreira que assumiram as "subs" com o papel de descentralizar a gestão da cidade.
Por enquanto, eles têm ouvido demandas de moradores e levantado a existência de terrenos para a construção de creches, a pedido de Haddad.
Para ir adiante, terão de conquistar a confiança da população, que guarda na memória casos como a máfia na Subprefeitura da Mooca, de 2008, quando 11 servidores foram presos sob a acusação de extorquir camelôs. O então subprefeito, Eduardo Odloak, pediu demissão do cargo.
Nesta gestão, o compromisso ficou mais difícil após dois servidores de Santo Amaro terem sido presos em março sob suspeita de corrupção. O chefe de fiscalização Nicola Caramico, 69, e a fiscal Sheila Adell Caramico, 62, foram flagrados recebendo R$ 40 mil do engenheiro responsável pela obra de um hospital. Um inquérito administrativo investiga o caso sob sigilo.
Para tentar combater a corrupção, a prefeitura quer implantar um sistema de despachos on-line.
Outro desafio dos subprefeitos é trabalhar com assistentes que não escolheram. São os chefes de gabinete, que chegaram por indicação política e recebem salário de R$ 17.364,69 -ante R$ 19.294,10 que ganha o subprefeito.
Prestes a completarem cem dias de trabalho, na próxima quarta (10), eles listaram os principais problemas que querem solucionar até o fim da gestão, em 2016. Ao todo, são 93 prioridades.
Oito deles aceitaram que a reportagem acompanhasse sua rotina entre 22 de março e 1º de abril para saber quem são e o que têm feito. A de Sodré começou com ele sendo intitulado prefeito pelo próprio prefeito. Naquela manhã de segunda, o engenheiro, servidor desde 1985, acompanhou Haddad em visitas a uma creche, a casas à margem de um córrego, a uma escola e a um posto de saúde.
Ali, as prioridades são combater enchentes, melhorar o trânsito e criar opções de lazer. Na parte de zeladoria, diz ele, faltam recursos e funcionários para podar árvores e tapar buracos.
As 31 subprefeituras contam com cerca de 9.000 funcionários, média de 290 cada uma, segundo a prefeitura. Em 2005, eram cerca de 2.000 no total.
Ao lado de um assessor, Sodré conta quais os gargalos da região apontando para um mapa. "Somos técnicos. Estou engatinhando na política. Estamos aqui para ouvir todo mundo."
Desde a criação das subprefeituras em substituição às administrações regionais, em 2002, revezaram-se nelas vereadores, políticos derrotados em eleições e coronéis da reserva da Polícia Militar. Na última gestão, os militares eram 30 entre os 31 subprefeitos. Agora, o teste é com servidores de carreira, a maioria graduada em engenharia e arquitetura.
"A parte dos coronéis foi muito difícil. Eles não queriam nos receber", conta Maria Helena Bueno, 69, presidente da Associação dos Amigos de Alto dos Pinheiros, zona oeste.
Sergio Reze, 46, da Associação dos Moradores Amigos do Parque Previdência, também na zona oeste, confirma que hoje há um diálogo maior com a população, mas diz que as "subs" ainda não têm condições de fazer planos e discuti-los com a comunidade. "Esse processo ainda não começou. As subprefeituras foram esvaziadas."
Até aqui, o papel delas continua sendo de zeladoria e, com o corte de 20% no orçamento deste ano, os trabalhos devem ser prejudicados. A orientação de Haddad, diz Edison Vianna Junior, 50, subprefeito de Jaçanã/Tremembé, zona norte, é que eles identifiquem problemas para, em 2014, buscar recursos para obras.
O plano, diz, inclui uma espécie de Poupatempo nas subprefeituras, aumentando de 156 para 400 os serviços disponíveis para a população.
Para Vianna Júnior, ter arquitetos e engenheiros trabalhando para a cidade é o diferencial da gestão. "Isso vai agregar uma mudança de cultura."
Durante uma visita a dois bairros da zona norte, Jardim Fontales e Jardim Corisco, ele foi levado até os problemas pelos moradores. Constatou a falta de calçadas, viu casas em locais de riscos e entrou em uma delas para verificar uma infiltração. "Vamos fazendo aos poucos o que dá", dizia.
As promessas foram um muro de arrimo e melhorias numa viela sem asfalto. Antes de ampliar os trabalhos no próximo ano, ele terá de encontrar uma nova sede para a subprefeitura, considerada acanhada, e mais funcionários. "Temos 260, mas 40% deles se aposentarão no próximo ano."
"Isso está acontecendo em toda a prefeitura", completa a subprefeita da Capela do Socorro, zona sul, Cleide Pandolfi. Ela recebeu a reportagem enquanto assinava pedidos de aposentadoria. "Até o fim do ano, 30% dos funcionários se aposentarão."
A arquiteta é servidora desde 1981 e tenta aprender a ser subprefeita. "Não posso dizer que sou ainda. Estou me construindo." Aos 57 anos, ela administra a segunda subprefeitura mais populosa -são 594 mil moradores, segundo o Censo 2010. Passados três meses, ela estranha ser reconhecida nas ruas. "Nos fins de semana, venho comer nos restaurantes à beira da represa [Guarapiranga] e me cobram coisas, põem bilhetinho no meu bolso."
Para os subprefeitos, uma das principais dificuldades do cargo é encontrar espaço na agenda para atender a todos. "Aqui, como todo mundo me conhece, a demanda aumenta", diz Fernando Melo, 38, subprefeito de São Mateus, na zona leste, e funcionário da subprefeitura desde 2000.
Como já o conhecia, o presidente da Associação dos Moradores do Jardim da Conquista, Laércio José de Souza, 46, cobrou de Melo a vistoria de duas praças na manhã de uma quarta. Já o gestor do Butantã, Luiz Felippe de Moraes Neto, 61, foi interpelado numa padaria. "Todo mundo me dá um papelzinho. Olha aí: ‘limpeza de praça’."
Subprefeito de Pirituba/Jaraguá, zona norte, Carlos Eduardo Silva, 54, aposta na motivação dos funcionários para otimizar os trabalhos. "Vou tentar fazer as coisas. Não quero ver minha família sendo xingada na feira."
Na região central, os problemas e as soluções para eles são diferentes.
"Um dos meus desafios é incluir a tecnologia digital na zeladoria urbana", diz o subprefeito da Sé, Marcos Barreto, 44. O tema foi discutido em seu gabinete, na Sé, em março. A ideia é criar um aplicativo para celular por meio do qual os paulistanos possam fotografar um ponto com lixo, por exemplo, e enviar a imagem à gestão.
A Sé abrange oito distritos e recebe o maior orçamento entre as subprefeituras. Mesmo assim, insuficiente, diz Barreto. "Para fazer a zeladoria, precisaríamos de R$ 80 milhões. E estamos com menos de R$ 50 milhões." O orçamento total das subprefeituras, que em 2005 era de quase R$ 3 bilhões, hoje está em menos de R$ 1 bilhão.
O perfil de Barreto destoa dos demais -é o único economista e não é servidor de carreira. "O raciocínio para o centro é diferente. [Haddad] queria alguém com capacidade de interlocução. Não sou ligado a deputado."
No dia da entrevista, após reunião com a CET, o tema era a criação de pontos de circulação de skates, para desafogar a praça Roosevelt. Ao lado de skatistas, visitou três áreas. Acabou sendo cobrado por outras questões. Um morador de rua se queixou da assistência social e um comerciante cobrou a recuperação de uma área sob o Minhocão. "O desafio é imenso, mas não olho com desespero."
O subprefeito do Jabaquara, zona sul, Dirceu de Oliveira Mendes, 49, conta que chegou a perder seis quilos no primeiro mês no cargo. Entre as suas preocupações estão acompanhar a Operação Urbana Água Espraiada e o impacto provocado por uma linha de monotrilho. "Hoje, o subprefeito tem uma figura pequenininha. [No futuro], estaremos ligados ao gabinete do prefeito. Então, você é o prefeito."
Ao menos de uma fonte de estresse Mendes se livrou: o desconforto provocado por desconhecer seu chefe de gabinete, indicado pelo PC do B. Queixou-se da escolha e ouviu que um político por perto o protegeria.
Apesar da escolha técnica, o secretário de Coordenação das Subprefeituras, Chico Macena (PT), defende que os subprefeitos precisam ser políticos. "Não é ser partidário. É organizar politicamente o trabalho, é ter liderança."
Segundo Macena, o novo modelo de subprefeitura, com mais autonomia em áreas de cultura, educação e saúde, deve estar ativo em 2015. A mudança deve ser sentida principalmente após o vencimento de contratos da gestão anterior, no fim de 2014. Até lá, a cidade também contará com uma nova subprefeitura, a de Sapopemba.
Para o professor Mário Aquino Alves, da Fundação Getulio Vargas, a gestão Haddad tenta aplicar o que está na lei. "A descentralização é ideal para a cidade. As últimas gestões não conseguiram. Agora, há uma aposta em técnicos. O desenho é interessante."
Resta esperar para ver se, até 2016, os subprefeitos deixarão de ser superzeladores para se tornarem superprefeitos, como diz sonhar Haddad.