Levantamento mostra que ao menos 40 órgãos estaduais não informam dados de funcionários num só documento
Expectativa era de mais divulgação com um ano da Lei de Acesso; para especialista, tabu está na questão salarial
LUIZA BANDEIRA
DE SÃO PAULO
BEATRIZ IZUMINO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Às vésperas do primeiro aniversário da Lei de Acesso à Informação, os Estados ainda não embarcaram na cultura de transparência que a nova legislação instituiu.
Levantamento da Folha mostra que ao menos 40 órgãos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário estaduais não divulgam nomes e vencimentos dos servidores num só documento.
A exigência de publicação dos salários de forma individualizada consta na lei para funcionários do Executivo federal e foi seguida por outros Poderes nessa esfera.
A expectativa à época em que a norma entrou em vigor, em 16 de maio, era que Estados e o Distrito Federal passassem a divulgar os dados.
Os órgãos estaduais menos transparentes são as Assembleias. Somente uma delas, a do Espírito Santo, publica a lista com os salários de todos os funcionários. Dez Casas não divulgam nenhuma informação e outras informam apenas dados parciais, sem os nomes dos servidores.
O Legislativo do Rio de Janeiro, por exemplo, chegou a disponibilizar a relação de setembro do ano passado, mas não houve atualização.
Duas Assembleias (SC e RN) publicam os salários, mas a consulta é feita por nome do servidor, o que impossibilita a identificação de vencimentos fora do padrão.
Parte dos Legislativos está impedida de publicar as informações por força de decisões ou normas estaduais. Em decisão provisória, o desembargador Corrêa Vianna, do TJ-SP, citou "o direito à vida privada e à intimidade" para justificar o veto à divulgação dos vencimentos da Assembleia paulista.
No Rio Grande do Sul, uma lei estadual proíbe a divulgação do nome dos servidores, o que impede também o governo do Estado e o TJ de informar os vencimentos de forma individualizada.
Nos Executivos estaduais, 12 Estados e o Distrito Federal ainda não divulgam as informações. No Judiciário, resolução do Conselho Nacional de Justiça de 2012 deu força à divulgação dos salários.
Outra exigência da norma que caminha a passos lentos é a possibilidade de os cidadãos fazerem pedidos de informações pela internet: 13 governos estaduais, 15 TJs e 18 Assembleias ainda não têm um sistema para receber essas solicitações.
A lei exige a criação de Serviços de Informações ao Cidadão (SICs) e a possibilidade de envio de pedido de informações pela internet. Segundo especialistas ouvidos pela Folha, cabe ao Ministério Público exigir o cumprimento dessa parte da norma, que se estende aos Estados.
CULTURA
O professor da FGV Direito Rio Pedro Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça, diz que a divulgação de salários não é exigência para os Estados, mas seria um ato de transparência.
Para ele, a lei "pegou" porque instituiu uma mudança de cultura e é natural que haja demora no processo. "O Brasil é um país que tem uma cultura de opacidade. Uma mudança de cultura não acontece da noite para o dia."
Para Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, "o grande tabu" da Lei de Acesso foi a questão salarial. "A informação tem que ser absolutamente pública, porque quem paga os salários do funcionário público é o cidadão."
ANÁLISE
Transparência continua não sendo premissa do funcionalismo
PAULA MARTINS ESPECIAL PARA A FOLHA
Às vésperas de completar um ano de vigência, a Lei de Acesso à Informação aponta para inúmeros desafios a serem superados. Cerca da metade dos Estados e a vasta maioria dos municípios ainda não adotaram as regulações previstas por ela.
Mesmo na esfera federal, onde os avanços são mais visíveis, a prática mostra que a transparência continua não sendo uma premissa do funcionalismo –embora seja essa a proposta da lei.
Pedidos de informações básicas e públicas continuam a ser respondidos com questões sobre a motivação do requerente e o uso pretendido para os dados. Há até solicitação de pagamento para a entrega das informações.
A resistência na divulgação dos salários de funcionários públicos, por exemplo, ainda é sintomática em todas as esferas do poder público, como aponta o levantamento realizado pela Folha.
Essa resistência mostra que, apesar da mudança na lei, a cultura não mudou.
Muitos funcionários receberam a norma com abertura, mas também são muitos os que se negam a ver o acesso à informação como um direito de que cada um é titular.
O pagamento de servidores é uma informação que diz respeito a todos e, nesse caso, o interesse público se sobressai ao direito à privacidade.
Isso porque o funcionário publico, ao assumir o posto, deve aceitar que estará mais sujeito ao escrutínio da sociedade e deve prestar contas sobre suas atividades. Além disso, a divulgação dessas informações é importantíssima para o combate à corrupção.
Além da resistência, a ausência de um órgão unificado e especializado para implementar e fiscalizar a Lei de Acesso continua sendo um desafio. Algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, no entanto, parecem apontar que o Judiciário cumprirá seu papel e fará valer o direito de acesso à informação.
PAULA MARTINS é diretora da ONG Artigo 19 América do Sul