Enquanto no Jardim Ângela 53% das mulheres com filhos nunca casaram, em Perdizes taxa cai para 15%; modelo influencia jovens
BRUNO PAES MANSO, JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO, RODRIGO BURGARELLI – O Estado de S.Paulo
Há uma enorme diferença entre as mães da periferia e do centro expandido de São Paulo. Em praticamente todos os distritos fronteiriços da cidade, uma em cada três mães é solteira. Nos casos mais extremos, como no Jardim Ângela e Marsilac, as mães sem marido ou companheiro são maioria absoluta.
Nesses lugares, a família nuclear tradicional não é a regra, mas a exceção. Apenas 39% das mães em idade fértil do Jardim Ângela, um dos bairros de menor renda da capital paulista, estão casadas. Além das 53% de solteiras, há 5% de separadas e 2% de viúvas.
Já nos distritos mais centrais, como Perdizes, a taxa pode ser tão baixa quanto 15%. Sete em cada dez estão casadas. Ou seja, a chance de uma mulher ser mãe solteira na periferia é até 3,5 vezes maior do que nas áreas mais ricas de São Paulo. Do mesmo modo, a chance de uma mãe na periferia ter um marido para ajudar a cuidar dos filhos é praticamente a metade.
A diferença de estado civil das mães tem uma correspondência com a situação econômica. As taxas de maternidade fora do casamento não passam de uma a cada quatro nesse cinturão onde estão os bairros de renda mais alta. É de 16% em Moema e no Jardim Paulista, 18% no Itaim-Bibi, 19% na Vila Mariana, 23% em Pinheiros e 24% na Consolação. Mas nos distritos centrais de renda mais baixa, como República (51%) e o Pari (49%), a prevalência de mães solteiras é igual à dos distritos pobres da periferia.
Para evitar desvios por causa da diferença de faixa etária entre um grupo e outro, o Estadão Dados e o Ibope restringiram a pesquisa às mulheres entre 16 e 49 anos – o que corresponde, em teoria, ao período fértil.
Desejo. O sonho de ser mãe transcende renda e classe social. Nas periferias, contudo, esse desejo vira realidade mais cedo e acaba produzindo uma grande quantidade de mães solteiras – boa parte delas adolescentes. A diretora Jucileide Rodrigues da Silva, que desde os anos 1980 está à frente da Escola Municipal Oliveira Viana, no Jardim Ângela, diz que o problema não é só a falta de informação.
"As escolas aqui do Ângela falam sobre pílulas, camisinhas e orientação sexual. Ao longo dos anos, começamos a perceber que muitas meninas engravidavam para sair de casa com histórico de violência. A gravidez surge como uma fuga. No final, dá tudo errado porque o marido as abandona e elas precisam cuidar sozinhas dos filhos."
Foi o que aconteceu com Hule Alves da Silva, de 18 anos, moradora do Jardim Ângela que, apesar da juventude, já enfrentou quatro gestações. Perdeu o primeiro filho quando estava grávida de 7 meses. Hule tinha apenas 14 anos. Sua filha mais nova, Gabrielle Elloa, tem 1 mês de vida. Gustavo Henrique tem 3 anos e Pedro Henrique, 1 ano. "Eu não me arrependo. Gosto de ser mãe e meus filhos salvaram a minha vida."
Desde criança, a história de Hule foi barra pesada. A mãe morreu assassinada quando ela tinha 2 anos. Acabou tendo de morar com o tio, que a espancava com fios de aço e com a borracha do sofá. Viveu com ele até os 11 anos. Aos 12, enquanto andava na rua, conheceu um motoqueiro. Ele tinha 25 anos e se tornaria o pai dos três filhos.
Apesar de terem se juntado no começo, o casamento nunca se estabilizou e foi cheio de idas e vindas. A última separação ocorreu há seis meses. O pai dos filhos a ajuda com R$ 160 de vale-refeição. "Eu tenho esperança de o pai das crianças voltar. Ele é o homem da minha vida e tenho o nome dele tatuado nas costas. Também quero trabalhar, qualquer trabalho serve."
A professora Regina Rosário, de 38 anos, uma das primeiras mulheres a cantar rap e integrante da Frente Nacional Mulheres no Hip Hop, acredita que um outro motivo para explicar a elevada proporção de mães solteiras na periferia são os valores machistas dos jovens, que depreciam as mulheres. "Os homens são criados para serem machos e as mulheres são vistas como vagabundas." Regina afirma também que a figura da mãe é muito valorizada na periferia, o que acaba incentivando as meninas a buscarem esse caminho. "Para muitas, é melhor concretizar o sonho de ser mãe do que ter um subemprego qualquer."
O modelo materno acaba influenciando. E mães solteiras se tornam avós de filhas solteiras. Ariane, de 16 anos, também moradora do Jardim Ângela, está grávida de 7 meses. Sua mãe tem 9 filhos. Só os quatro primeiros foram do primeiro marido. Os outro cinco são de pais diferentes.
Depois de engravidar, Ariane foi expulsa de casa. Recebeu abrigo de Iracema, de 63 anos, que conhecia a avó da menina. "A mãe sempre gostou de forró. Não ligava se as filhas de 13 anos dormissem com o namorado em casa. Acabaram engravidando", diz Iracema.
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