“Desafio de novo Plano Diretor de SP é tirar do papel metas asseguradas em 2002” – Último Segundo/IG

iG apresenta nesta semana série de reportagens sobre o projeto que busca reorganizar São Paulo. Novo plano deve aperfeiçoar o anterior, que executou poucas metas estabelecidas

Wanderley Preite Sobrinho e Renan Truffi – iG São Paulo

Maior metrópole do hemisfério sul, a cidade de São Paulo é também considerada uma das mais caóticas do mundo. Para tentar desfazer essa imagem, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), quer aproveitar seu primeiro ano de mandato para aprovar a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) do município, previsto para ser votado neste ano pela Câmara Municipal. Para especialistas ouvidos pelo iG , o PDE que vigora atualmente na capital paulista redesenhou São Paulo vislumbrando direitos que não saíram do papel.

Desde abril, a prefeitura vem organizando reuniões com participação popular para rediscutir o atual e único PDE da história do munícipio, aprovado pela administração da também petista Marta Suplicy, em 2002. É por meio dele que a administração municipal diz como vai conduzir o crescimento da cidade ao atrelar assuntos distintos como mobilidade urbana, uso do solo, construção de moradias e até meio ambiente.

“Pode-se dividir o Plano Diretor em duas partes: a que regula a iniciativa privada, que é o zoneamento, e a parte que obriga o prefeito a fazer obra”, resume o urbanista e professor da Universidade de São Paulo, Flávio Villaça.

Até agora foram realizadas quatro audiências públicas comandadas pelo secretário de Desenvolvimento Urbano (SMDU), Fernando de Melo Franco. Dividido em quatro etapas, esses encontros vão avaliar o Plano de 2002, apresentar novas propostas, organizá-las para depois formular o documento que vai dar origem ao Projeto de Lei do novo PDE, que terá grandes chances de ser aprovado, já que Haddad tem maioria na Câmara.

“O Plano de 2002 estabeleceu direitos, mas não Justiça. Ele criou zonas para moradia popular, por exemplo, mas não produziu as habitações de interesse social”, avalia o vereador José Police Neto (PSD). Ele fala do zoneamento da cidade, que a partir daquele ano passou a fazer parte do Plano Diretor e que é considerado por alguns como a espinha dorsal do PDE. Veja abaixo os principais tipos de zoneamento:

 
O próprio relator do PDE de 2002, o vereador Nabil Bonduki (PT-SP), reconhece que as metas ficaram muito generalistas na versão de 11 anos atrás. “(Vamos) ser um pouco mais rigorosos (dessa vez) nos instrumentos para fazer cumprir os objetivos do Plano Diretor”, admite ao explicar que os petistas pretendem impor metas mais rígidas.

Essa é, inclusive, a reinvindicação dos movimentos de moradia da cidade. De acordo com a coordenadora da União dos Movimentos de Moradia (UMM), Maria das Graças Xavier, a principal conquista no PDE não foi cumprida. Ela se refere a demarcação das chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que definiram locais no centro e na periferia onde deveriam ter sido instaladas moradias populares em São Paulo. “Não foram respeitadas conforme foi demarcado na época”, explica.

Villaça acredita ser difícil convencer o setor imobiliário a construir apartamentos para famílias de baixa renda nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). “O Plano Diretor só pode dizer que ali podem ser construídos apartamentos, nunca indicar o preço deles. Se fosse isso, as construtoras vão botar a boca no trombone.”

Descrente com a efetividade de algumas medidas propostas, urbanista diz que o plano “tem mais de 300 ações estratégicas que não servem para nada.” Villaça também desconfia da proposta de reocupação do centro com habitação social. “O que dá para fazer no centro? Dez mil ou 20 mil moradias populares? Se 2% da população mora na favela, estamos falando de 500 mil famílias.”
 
Para a urbanista Lucila Lacrete, do Movimento Defenda São Paulo, um dos problemas mais explícitos é o trânsito da cidade. “A demanda por transporte coletivo é muito maior do que a capacidade da prefeitura e Estado tem de atendê-la.”

Para mudar o cenário, Haddad quer que o Plano Diretor viabilize o Arco do Futuro, que pretende atrair empresas para as marginais dos rios Pinheiros e Tietê e para as extensões de suas principais ligações: as avenidas Jacu-Pêssego, na zona leste, e Cupecê, na zona sul.

“Sessenta e cinco por cento dos empregos na área de serviços vão do centro histórico ao setor de escritórios na zona sul, gerando congestionamento”, contabilizou o diretor de urbanismo da SMDU, Kazuo Nakano, em audiência sobre mobilidade urbana na semana passada (7). De acordo com ele, todos os dias 2,5 milhões de pessoas saem dos subúrbios para trabalhar nessas regiões. “Ao levar emprego para a periferia, muitos carros ficarão na garagem.”

Sem citar o nome do antigo prefeito, Nakano responsabilizou a gestão de Gilberto Kassab (PSD) pela paralisia do PDE 2002. Sobre o aumento do trânsito na cidade, ele explicou que o Bilhete Único aumentou o número de passageiros, mas a construção de corredores de ônibus foi praticamente interrompida. “Foram 71 quilômetros construídos entre 2003 e 2004 [último ano do governo Marta Suplicy]. Nenhum construído entre 2010 e 2012.” Haddad promete pavimentar 150 quilômetros até o final de sua gestão.

“O sistema de transporte coletivo pelos corredores foi muito bem sonhado em 2002, mas não traduziu sua real efetividade. A tendência do último período foi investir no Metrô”, diz Police Neto.

Para o vereador Ricardo Young (PPS), o problema é parecido quando o assunto é meio ambiente. “As linhas gerais foram adequadas. Nós temos 12 metros quadrados de área verde por habitante, mas essa vegetação está concentrada na zona sul e na Serra da Cantareira, na zona norte.”

Young se refere às macrozonas de proteção ambiental delimitadas pelo PDE 2002, onde ficam os mananciais. “As obras urbanas se sobrepuseram à promessa do Plano Diretor de integrar desenvolvimento da cidade com equilíbrio ambiental.”

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