por Deutsche Welle
Na sétima maior metrópole do mundo, São Paulo, 55% dos moradores usam transporte coletivo. O deslocamento dos 11 milhões de habitantes da cidade é feito principalmente pelo asfalto: 15 mil ônibus transportam seis milhões de passageiros todos os dias – agora, por uma tarifa de 3,20 reais.
A revolta contra o aumento da passagem na capital paulista desencadeou uma série de manifestações por todo o país, mostrando, entre outros temas, a insatisfação com a falta de mobilidade. Fazem parte da rotina dos paulistanos a lotação nas cinco linhas de metrô e nos trens metropolitanos e os congestionamentos que, em alguns períodos, chegam a 144 quilômetros.
Sem qualidade nos transportes fica difícil convencer qualquer um a deixar o carro em casa. E as melhorias, afirma o coordenador do setor de Serviços Urbanos Básicos da ONU-Habitat, Andre Dzikus, passam também por uma mudança de comportamento. "O maior desafio é mudar a mentalidade para que as pessoas passem a usar o transporte público", afirma o especialista em questões de transporte e mobilidade que vive em Nairobi, no Quênia.
O que ele defende aparece em quase todos os planos de governo: as cidades precisam oferecer alternativas que sejam financeiramente viáveis, pontuais e que cubram o espaço urbano de uma maneira que garanta que as pessoas cheguem aonde querem.
"Um sistema de transporte eficaz é aquele que anda", resume o engenheiro Alain Le Saux, secretário geral da organização Metropolis, uma organização mundial de troca e aconselhamento que reúne representantes das maiores cidades do mundo. O pior problema de uma cidade é parar e a fluidez na locomoção também oferece indícios de uma economia eficaz, comenta.
O desafio de atingir essa fluidez é comum às grandes metrópoles, mas não existe uma solução única. Se para uma cidade a melhor alternativa são trens, para outra, segundo Le Saux, podem ser até mesmo elevadores. "Depende da geografia, do tamanho e de uma série de outros fatores", justifica.
Serviço ilegal convive com o sistema
São Paulo não é a única grande metrópole a encontrar problemas. Em Jacarta, segunda maior região metropolitana do mundo, a jornalista indonésia Veby Mega precisou encontrar opções para fugir dos congestionamentos que impedem o fluxo dos ônibus. A passagem custa aproximadamente 0,76 real, mas o tempo que os veículos ficam parados, a lotação e o calor afugentam quem pode pagar por outros meios.
"Eu costumava usar, mas não é confortável, especialmente em uma cidade com o ar quente e úmido como Jacarta", conta. A cidade criou corredores exclusivos de ônibus em alguns trajetos e promete a construção do metrô – parte subterrânea e parte suspensa – até 2020. Por hora, Veby e os outros 10,1 milhões de habitantes da metrópole se valem de outras opções.
Como o táxi tradicional é mais caro, o mototáxi, mesmo ilegal na cidade, virou uma alternativa que cabe no orçamento. A presença desse meio de transporte no trânsito rende cenas que os brasileiros já conhecem: para fugir do engarrafamento, as motos fazem percurso em ziguezague entre os carros parados.
O projeto do metrô de Jacarta deve contemplar inicialmente um corredor norte-sul e outro leste-oeste, mas o pacote de obras promete uma solução ampla para o transporte da capital da Indonésia. Em outros países, no entanto, as respostas já foram encontradas. Alain Le Saux, da Metropolis, cita Berlim e Paris como exemplos. "Quando não há greve", ressalva, referindo-se à capital francesa.
Ele lembra ainda que a qualidade nos serviços deve ir além do transporte motorizado. Calçadas, ciclovias, estações para o aluguel de bicicletas completam a estrutura que dá segurança e fluidez. Singapura, Genebra e Copenhague estão na lista de bons exemplos de Andre Dzikus, da ONU-Habitat.
Preço não é o mesmo para todos
Os mesmo fatores que influenciam na decisão pelo meio de transporte mais adequado também contam na composição da tarifa do ônibus. Nas grandes metrópoles, quem anda mais, paga mais, geralmente. Mas essa combinação de variáveis não é a única a compor a fatia que cada pessoa gasta com transporte. O impacto no bolso é diferente em cada região do mundo.
Nos países mais pobres, em locais onde pessoas foram deslocadas para a periferia ou reassentadas em áreas mais distantes e precisam manter seus empregos na região central das cidades, a situação é mais crítica. Em casos assim, o dinheiro gasto com transporte pode chegar a 30% da renda mensal. Já em outros lugares, a margem fica em torno de 10%. "É difícil fazer uma média, já que as situações são diferentes", adiciona o representante da ONU-Habitat.
A relativização do preço também está relacionada à percepção que o usuário tem da qualidade do serviço. Em Nova York, um dos destinos favoritos de turistas brasileiros e para quem decide viver fora do país, o valor da passagem é 68% mais caro que o cobrado em São Paulo. Mas a eficiência – mesmo que existam falhas – compensa o preço.
A passagem custa aproximadamente 5,38 reais, mas existem opções de bilhetes semanais ilimitados, por 64,60 reais, e mensais, por 241 reais. Segundo a Metropolitan Transportation Authority, que opera o sistema, descontos são oferecidos em alguns casos – estudantes, por exemplo, pagam meia – mas ninguém anda de graça.
O jornalista carioca Douglas Gamma vive na cidade há quatro anos e considera o preço justo. Apesar de criticar a sujeira das estações e dos próprios trens – são 8,7 mil vagões que circulam por 3.294 quilômetros de trilhos em toda a região metropolitana –, ele elogia a estrutura. "O metrô de Nova York é super bem planejado e te leva para todos os lugares da cidade, 24 horas por dia", destaca. Quando quer apreciar a paisagem, Gamma opta por um dos 5,7 mil ônibus que atendem a região.
A paulista Paula Maria trabalha com planejamento urbano na cidade norte-americana e também concorda com a avaliação positiva dos serviços, que ela define como eficientes. O que falta é uma intensificação da oferta de transporte nos bairros mais afastados. "É onde vivem as pessoas que mais precisam, por conta das dificuldades financeiras", avalia.
De olho nas ruas do Brasil
A eficiência que a paulista encontrou em Nova York ainda não existe na sua cidade natal. Mesmo longe do país, ela e o carioca acompanham a movimentação que ganhou as ruas do Brasil. Embora considerem a qualidade do sistema de transporte público de São Paulo e Rio de Janeiro inferior ao oferecido em Nova York, eles não têm dúvida de que as reivindicações vão muito além da discussão da tarifa. "Foi apenas a gota d’água que transbordou o copo", opina Gamma.
"Acho que os brasileiros estão cansados de serem usados como caixas eletrônicos", diz Paula Maria. Para ela, os 20 centavos foram o estopim para quem quer não só transporte público de qualidade, mas também exige que os direitos dos cidadãos entrem de vez para a agenda dos políticos brasileiros.
Autoria Ivana Ebel