“Rede Nossa São Paulo sugere referendo sobre transportes” – Blog Nova Ética Social, do G1

Por Amelia Gonzalez 
 
Hora de arrumar a casa. De reunir pessoas, de estudar soluções, expulsar os baderneiros, fazer sugestões. De criar meios para que a manifestação não se perca em atos violentos, não perca o sentido. A Rede Nossa São Paulo, que nasceu como um movimento em 2007 e agora já é uma congregação de 700 organizações da sociedade civil, está fazendo isso. O eixo da Rede é, justamente, a percepção de que a atividade política no Brasil está com a credibilidade abalada. E não é outra coisa que se tem visto nas ruas. Mas, como tentar mudar isso? No caso específico da maior queixa, a falta de mobilidade urbana, tem que criar outras possibilidades levando em conta que uma cidade como  São Paulo está superlotada e precisa, assim mesmo, oferecer boas condições de vida aos seus moradores. Fazer estudos, pistas só para ônibus e outras coisas que tornem a vida do paulistano melhor do que antes. É possível? É sim, garante o coordenador executivo da Rede, Mauricio Broinizi, nessa entrevista.

Já se sabe que a questão não é só o aumento da tarifa, o próprio MPL se retirou depois que viu os rumos que as coisas tomaram. Você consegue imaginar o que pode acontecer agora?
Não, é muito difícil prever. Podem parar porque a violência tomou conta, mas podem também ganhar outras formas de luta mais organizadas. De qualquer maneira, acho que tem uma mudança histórica na nossa sociedade: ela agora percebe, e está denunciando, a precariedade dos serviços e equipamentos públicos, que estão longe de ter um padrão de excelência.

A falta de mobilidade urbana foi o estopim. O que causa isso?
Desde 2007 estamos propondo que São Paulo tenha um plano de mobilidade e transporte sustentável porque uma cidade com essa dimensão não tem um planejamento e um estudo decente. É tudo feito na base do enxuga gelo, no improviso, correndo atrás do prejuízo. O plano diretor da cidade é de 2002 exige um plano de mobilidade que não foi feito pela gestão passada, que levou oito anos no poder. Mesmo a Câmara dos Vereadores tendo aprovado verba de R$ 15 milhões para este estudo, ele não foi feito.

Portanto há aí uma inércia insuportável, que também aparece nos gritos da manifestação, de alguma forma.
O problema certamente não foi só os R$ 0,20, disso estamos certos. Mas a péssima qualidade de transporte, o tempo que o paulistano leva para se locomover de um lugar a outro. Tem várias pesquisas mostrando que o cidadão paulistano leva cerca de duas horas e meia para ir de qualquer lugar para qualquer lugar, isso vai minando as forças.

Vocês, como sociedade civil, já conseguiram ser recebidos pelo prefeito Haddad?
Sim. Na verdade, eu não concordo com essa análise que tenho lido nos jornais, de que o prefeito Haddad está se omitindo, não quis receber a sociedade civil. Somos apartidários, e isso é importante que fique claro. Mas o prefeito fez um esforço sim, ele recebeu representantes de todos os setores, um conselho da cidade que tem mais de cem membros de todos os setores. Quase todo mundo se pronunciou apoiando a proposta de cancelar o aumento e patir para um estudo de um novo modelo de transporte.

Ainda precisa então fazer o estudo que já deveria ter sido feito há muito tempo…
Precisa ter noção de quais são os pontos de estrangulamento do transporte público, tem que saber porque os ônibus só conseguem trafegar a uma velocidade média de 15 km/hora. A cidade tem um sistema radial que faz tudo confluir para o Centro. E tem gente já propondo uma forma circular para racionalizar a fluidez.

Ou seja: há alternativas que podem fazer o trânsito da cidade melhorar…
Sim, existem alternativas mas elas precisam de estudo que não precisa levar anos, pode ser feito num espaço de tempo curto, com especialistas da Companhia de Trânsito. Tem uma inércia no sistema que precisa ser destampada e, para isso, temos que sair do escuro, tem que ter estudo, levantamento de custo. Estamos pedindo para abrir todas as planilhas dos custos do sistema de transporte para que se tenha uma dimensão de quanto isso pode custar. E fazer uma comparação com outros estudos.

Quais são, então, as reivindicações atuais da Rede Nossa São Paulo?
Estamos insistindo para que seja instalado o Conselho Municipal de Transporte porque aqui ele não funciona desde 2005. É este conselho que tem que examinar, verificar todos os custos, fazer as opções para o investimento no transporte público. Estamos solicitando ao secretário que o instale e que este conselho tenha como primeira atribuição contratar este estudo e elaborar o plano de transporte para a cidade porque é uma forma de todos os setores participarem. Tem soluções, mas nem todo mundo ficará satisfeito.

Como assim? O que pode desagradar uma população já tão afetada?
Se ampliarmos os corredores dos ônibus vamos tirar o espaço dos carros e sabemos que isso pode ter resistência. Mas, veja: temos duas marginais onde não circulam ônibus, assim como em várias artérias que hoje são exclusivas para carros. Ou seja: os carros vão ter menos espaço. Mas, se o transporte público e a malha cicloviária forem eficientes, com certeza isso vai melhorar a vida de todo mundo.
Tem quem diga que será preciso comprar mais ônibus e que isso vai custar dinheiro. Você acha isso?
Olha, se os ônibus fluírem com maior rapidez, se eles fizerem o circuito em menos tempo com os corredores  exclusivos ampliados, mudando a mão de vias na hora do rush, é possível mudar a situação com menos custos. Mas tem uma certa acomodação de muitas empresas no sistema, ninguém quer mexer com isso. Por isso estamos insistindo também nas nossas reivindicações que se abram as planilhas, que se tenha mais transparência nessas contas. É preciso, no máximo, 70 dias para fazer isso.
E se, mesmo no final desses 70 dias, mesmo depois de todos os estudos, ainda houver conflitos, ainda não se chegar a um consenso?
Aí então estamos propondo que a população seja consultada num referendo. Com campanhas, explicando detalhadamente cada estudo, a população pode escolher, por voto, assumindo o modelo de transporte como também o financiamento. Vamos pedir uma corresponsabilidade. Vocês aceitam pagar uma passagem mais cara, mas para um sistema mais eficiente? Ou vamos tirar dinheiro de outros lugares? Mas, sem um estudo decente, ficar dando palpite é muito difícil.
De que maneira a Rede Nossa São Paulo está fazendo chegar ao prefeito esta proposta?
Estamos mandando uma carta hoje para o Secretário de Transportes, chamando-o para uma reunião na semana que vem.
E você está confiante de que essa carta será recebida e de que ele virá?
Sim, estou. O governo municipal reconhece a Rede, respeita. Estamos participando de vários conselhos na cidade, de varios fóruns, já temos uma boa interlocução com o prefeito. Ele sabe que não pode menosprezar nossa força como sociedade civil. Somos uma rede com 700 organizações e centenas delas estavam apoiando a manifestação pacífica. O prefeito conhece nossa capilaridade.
Você tem na cabeça um padrão de cidade na qual poderíamos nos inspirar?
Olha, as grandes cidades da dimensão de São Paulo, como Nova York e Tóquio têm uma malha ferroviária e metroviária fantástica. As cidades são bem integradas e praticamente esquadrinhadas pelo Metrô. Mas São Paulo não pode esperar construir mais 350 km de Metrô, que é o que está sendo planejado. Levamos 40 anos para construir 76 quilômetros. O que precisamos agora é de soluções imediatas. Essas grandes cidades têm a questão da mobilidade resolvida porque têm grandes linhas de Metrô e trem. Se não, estariam colapsadas também.
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