“Trânsito enfrenta situação alarmante” – Valor

Do Valor Econômico
 
O trânsito nas grandes cidades chegou a níveis alarmantes e ultrapassou as barreiras do asfalto. Há pesquisas indicando que os congestionamentos, além dos conhecidos prejuízos econômicos à economia dos municípios e à própria população, da piora nos índices de qualidade do ar, estão também diretamente ligados ao aumento da violência nos grandes centros urbanos.
 
Enquanto o número de venda de automóveis, beneficiado pelo robusto aumento de renda da classe C, chega a níveis históricos – algumas capitais, como Manaus, dobraram suas frotas nos últimos dez anos -, o poder público não consegue criar uma infraestrutura que atenda minimamente a esse crescimento desenfreado.
 
Projetos esdrúxulos, como o que responsabiliza o instrutor da auto-escola pelas infrações cometidas por seus alunos, convivem com programas polêmicos, como a implantação do pedágio urbano e o fim do rodízio de veículos em São Paulo, e outros de grande relevância, como o investimento maciço na modernização dos semáforos, considerada uma das soluções de curto prazo para diminuir o trânsito nos grandes centros.
 
A cidade de São Paulo, detentora do maior congestionamento da história – 292 quilômetros, em junho de 2012 (há 20 anos a capital paulistana tinha uma média de 28 km de lentidão às 19 horas) -, é o principal termômetro de como anda a epidemia do trânsito no país. Mesmo com a implantação do rodízio de veículos a partir de 1997, com o aumento do investimento em metrô e em corredores de ônibus, não conseguiu nem chegar perto de diminuir o caos urbano que tem, entre os seus maiores vilões, o trânsito.
 
Estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que os prejuízos com os congestionamentos têm dobrado a cada ano na capital paulista e que chegam hoje a espantosos R$ 50 bilhões, quase R$ 10 bilhões acima do orçamento da cidade (R$ 42 bilhões). Números que, segundo Maurício Broinizi, coordenador da Secretaria Executiva do Movimento Nossa São Paulo, podem ser ainda maiores, já que o trânsito também é causador de dezenas de outros transtornos, que nem sempre entram nas estatísticas. “Os males causados pelo trânsito são incalculáveis e nem sempre medidos na sua totalidade, o que dá uma ideia do tamanho do problema”, diz Broinizi.
 
Ele afirma que o Movimento Nossa São Paulo, responsável pela organização, entre outras campanhas, do Dia Mundial Sem Carro, que conta hoje com o apoio da Prefeitura e de cerca de 250 entidades, nunca teve a ilusão de que as pessoas deixariam de usar o carro em São Paulo. O transporte público, com todas suas falhas e deficiências, está longe de atender até mesmo, em sua plenitude, os que não têm veículo próprio. O alvo da campanha, ele explica, é promover uma reflexão coletiva, estimular a população a buscar outras alternativas e pressionar o poder público para que acelere as políticas de mobilidade urbana.
 
“A nossa luta atual é pela urgente revisão do Plano Diretor, em vigor desde 2002, e que já previa a estruturação de um projeto de mobilidade para São Paulo, que nunca foi feito”, afirma Broizini. “É preciso realizar estudos mais profundos, para identificar as regiões com os maiores gargalhos no trânsito e, principalmente, investir em transporte público. É uma solução clássica, adotada em todas grandes metrópoles do mundo, mas que aqui é sumariamente ignorada”, diz Broizini.
 
Recentemente, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, anunciou como uma das metas orçamentárias de sua gestão o investimento na modernização de três mil cruzamentos semaforizados, que passarão a funcionar de forma integrada com a Central de Monitoramento de Trânsito da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Para melhor o sistema (quatro em cada cinco semáforos da capital paulista precisam de troca de peças ou reparos estruturais) será necessário, segundo levantamento da própria prefeitura, um investimento de cerca de R$ 500 milhões. Porém, a modernização dos semáforos é vista por especialistas apenas como mais um paliativo.
 
“Os semáforos inteligentes ajudam, mas não resolvem”, afirma o arquiteto e urbanista Nazareno Affonso, ex-secretário de Transportes de Porto Alegre (1993-1994), que diz ter adotado, com relativo sucesso, os semáforos inteligentes durante sua gestão como secretário da capital gaúcha.
 
Cidades como Londres e Los Angeles conseguiram diminuir os problemas causados pelo trânsito adotando ideias inovadoras e ao mesmo fazendo a lição de casa, investindo em metrô e em corredores de ônibus. A metrópole americana mantém, desde a década de 60, as faixas HOVs, reservadas exclusivamente para automóveis com pelo menos dois ocupantes – os carros elétricos também rodam na faixa exclusiva.
 
A adesão é grande – o governo criou um programa de compartilhamento de caronas com mais de 250 mil inscritos. Já na capital inglesa, que adotou com sucesso o pedágio urbano, medida vista com antipatia pela maioria dos brasileiros, os semáforos inteligentes não se comunicam apenas com a central de trânsito, mas também com os coletivos.
 
Enquanto políticas sólidas e duradouras para combater o aumento do trânsito não são adotadas, os brasileiros sofrem com suas consequências. A Rede Nossa São Paulo, em parceria com o Ibope Inteligência, realizou em janeiro uma pesquisa sobre a qualidade de vida em São Paulo. O trânsito aparece com um dos maiores inimigos do bem-estar do paulistano. Em relação à satisfação geral com áreas relacionadas à qualidade de vida em São Paulo, Transporte/Trânsito aparece na 22ª colocação entre os 25 itens listados, à frente apenas da Desigualdade Social, Acessibilidade e Transparência e Participação Política. Quanto ao medo no dia-a-dia, o trânsito encabeça os primeiros lugares, na quarta colocação, com 13%, à frente de “Alagamentos” (12%), Atropelamentos (11%) e “Torcidas de Futebol” (7%).
 
Para o médico e diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dirceu Rodrigues Alves, o crescimento das frotas de carros, caminhões e motos, a falta de infraestrutura para atender a esse aumento de demanda somada à ausência de tecnologia e à falta de recursos humanos para a fiscalização contribuíram para o surgimento de uma doença epidêmica, negligenciada pelo Estado.
 
Alves não se refere apenas aos 43 mil mortos por ano, no Brasil, vítimas de acidentes de trânsito. “Não incluímos nessas estatísticas os danos causados pela poluição e pelo estresse, além de inúmeras outras doenças que as pessoas nem sabem que desenvolvem por causa das péssimas condições do sistema de transporte”, afirma.
 
O médico cita como exemplo o nível de vibração dos coletivos, que desrespeitam o ISSO 2.631 da Organização Internacional para Estandardização (um veículo não deve superar 0,63 m/s2). “Nos ônibus do Rio, a vibração chega a 1,05 m/s2. “O sujeito que desenvolve um coágulo na perna nunca vai relacioná-lo à condução que ele pega no dia-a-dia”, diz Alves, que defende a inclusão de aulas sobre mobilidade urbana na grade curricular. “Se uma criança aprende, desde os cinco anos de idade, a importância do tema para a sociedade, a chance dela virar uma péssima motorista, ou uma administradora negligente, é muito menor”.
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