“Faz mal à saúde” – artigo de Agostinho Vieira para O Globo

No próximo domingo será comemorado, mais uma vez, o Dia Mundial Sem Carro. A meteorologia prevê tempo bom. Portanto, será uma ótima oportunidade para fazer uma caminhada, andar de
bicicleta e, principalmente, pensar sobre o tema. Até quando vamos continuar convivendo, da mesma maneira, com este símbolo anacrônico do estilo de vida que a humanidade, ou parte dela, decidiu adotar?
 
O carro simboliza sucesso, status,aventura e liberdade. A liberdade de ir e vir e a liberdade de consumir o que quiser. Com um pequeno senão. Se todas as pessoas pudessem exercer o seu direito democrático de comprar um automóvel, ninguém mais poderia exercer o seu direito igualmente democrático de ir e vir. Estaríamos todos presos num gigantesco engarrafamento discutindo eternamente os problemas da democracia.
 
No Rio, por exemplo, já ultrapassamos a marca de 2,5 milhões decarros circulando pelas ruas. Até 2016, ano das Olimpíadas, quando, segundo alguns mais otimistas, os nossos problemas deveriam estar resolvidos, teremos um veículo paracada duas pessoas. Se excluirmos dessa equação aqueles cidadãos que não têm, não podem ou não querem ter carro,é fácil concluir que tem gente investindo alto em cotas de engarrafamentos futuros.
 
Uma pesquisa do Ibope divulgada esta semana mostra, entretanto, que pode haver alguma luz no fim do túnel. Encomendado pela ONG Nossa São Paulo, o estudo foi feito apenas entre os moradores da capital paulista. Mas não seria absurdo pensar em resultados semelhantes se a consulta acontecesse também no nosso balneário. Cansados de medir os seus ongestionamentos em quilômetros, 27% dos paulistanos disseram ser a favor até da cobrança do pedágio urbano.
 
O modelo é polêmico, mas vem sendo adotado com sucesso em grandes centros urbanos como
Londres, Estocolmo e Cingapura. Ele restringe a circulação de veículos nas áreas centrais das cidades e nos pontos mais sujeitos a engarrafamentos. Quem quiserrealmente dirigir por ali precisa pagar uma taxa. Em algumas regiões históricas ou mais críticas não é possível entrar nem pagando.
 
O levantamento mostrou ainda que os moradores de São Paulo gastam, em média, duas horas e quinze minutos com os seus deslocamentos diários. No Rio, o tempo é de mais ou menos uma hora e quarenta e quatro minutos. Isso explica o apoio ao pedágio, o aplauso ao rodízio decarros e o apelo para que se invista em mobilidade urbana. Mais de 90% defenderam as faixas exclusivas para ônibus e 61% disseram que deixariam o carro em casa se o transporte público fosse melhor.
 
Entre as diversas respostas, três definem bem o que seria um transporte público de qualidade: ter intervalos menores entre um veículo e outro, ser confortável e custar um preço justo. Ninguém quer ficar esperando horas por um ônibus, um metrô ou um trem.
 
Viajar espremido ou pendurado e ainda pagar caro por isso. Por falar em passagem, 46% dos pesquisados acham que a “tarifa zero” é um projeto viável.
 
No entanto, para que tudo isso aconteça, é preciso mudar as nossas prioridades. As cidades não podem mais ser planejadas para os carros. Elas pertencem às pessoas. As ruas são públicas e isso significa que devem dar preferência para os transportes de massa,
pedestres e ciclistas. Nos últimos dez anos, as vendas de carros particulares no Brasil cresceram quase três vezes mais do que o PIB. Já o número de passageiros de ônibus caiu cerca de 20%. Estamos a caminho da imobilidade urbana. Com todos os efeitos colaterais que isso acarreta.
 
De acordo com a Coppe, os prejuízos anuais provocados pelos engarrafamentos no Rio superam a casa dos R$ 27 bilhões. A poluição atmosférica causada pelos veículos mata duas mil pessoas na cidade todos os anos.Já os acidentes de trânsito no estado deixam quase três mil mortos por ano e milhares de feridos. Em sua maioria, pedestres. Isso sem falar nos gases de efeito estufa e no aquecimento global.
 
Os investimentos que o Rio vem fazendo naampliação do metrô, nos BRTs e nos corredores de ônibus estão na direção correta. Mas ainda são tímidos quando se pensa num horizonte de dez ou vinte anos. Não há como escapar de medidas mais agudas para restringir a circulação e a emissão de poluentes dos carros. Os políticos não gostam, temem perder votos, mas o mundo caminha nessa direção. Até o dia em que alguém veja um para-choque com a frase: “O Ministério da Saúde adverte: carro faz mal à saúde”.
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