Comissão especial da PEC pelo transporte como direito social colhe sugestões em SP

Uma das emendas debatidas prevê a municipalização do imposto sobre a gasolina e sua utilização integral para financiar um transporte público de melhor qualidade e mais barato. A sugestão é defendida pela campanha Tarifa Mais Barata Já!
 
Por Luciana Quierati
 
A comissão especial da Proposta de Emenda Constitucional 90/11, que introduz o transporte como direito social ao artigo 6º da Constituição Federal, esteve ontem (17), em São Paulo, para ouvir a opinião da sociedade civil sobre a iniciativa.
 
Um seminário com duração de quatro horas foi realizado na Assembleia Legislativa com a presença da autora da PEC e coordenadora da comissão, Luiza Erundina (PSB-SP), do presidente Marçal Filho (PMDB-MS) e do relator Nilmário Miranda (PT-MG), além da deputada Janete Rocha Pietá (PT-SP), membro da comissão.
 
Militantes de movimentos como o Passe Livre e a Marcha Mundial das Mulheres, o prefeito do município de Agudos (SP), que há dez anos instituiu o transporte público coletivo gratuito para seus moradores, e o coordenador da Rede Nossa São Paulo, Mauricio Broinizi, expuseram suas ideias.
 
A Constituição já institui 11 direitos sociais: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, proteção à infância e assistência aos desamparados. Na opinião da autora da PEC, a inclusão do transporte nesse rol deve garantir prioridade às políticas públicas para o setor.
 
"Já passou da hora de discutirmos o assunto", admitiu Luiza Erundina, que rendeu às manifestações de junho e julho a responsabilidade pela agilização na tramitação da PEC. "A PEC só andou nessa velocidade por causa das ruas. Quanto mais as pessoas se manifestarem, mais facilmente as coisas vão caminhar", disse.
 
Inclusão da Cide na PEC 90
 
Membro da comissão especial, a deputada Janete Rocha Pietá propõe incluir na PEC 90 a municipalização da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) – bandeira defendida pela Rede Nossa São Paulo. Ela apresentou essa possibilidade ontem, que agora precisa ser inserida no parecer que será votado no dia 19 de novembro.
 
A ideia é que a arrecadação desse tributo seja feita em cada município e integralmente investida para baratear a passagem de ônibus em todas as cidades brasileiras. A aplicação dos recursos seria fiscalizada pela sociedade.
 
"Achei que seria mais rápido se incluísse a Cide na PEC 90 em vez de apresentar uma nova proposta, que fosse começar a tramitar do zero", argumentou a deputada. "Com a municipalização da Cide, possivelmente vamos chegar à tarifa zero em muitas cidades."
 
A medida, de acordo com o coordenador executivo da Nossa São Paulo, Maurício Broinizi, é deflacionária, já que o preço da passagem de ônibus tem um peso maior do que a gasolina no cálculo da inflação.
 
Ainda na defesa da municipalização, Broinizi considerou que não se trata de criar um novo imposto, uma vez que a Cide já existe. Foi apenas zerada pelo governo para conter o aumento no valor do combustível.
 
Ele também justificou que é uma forma de dar prioridade para o transporte público. "Temos 17 mil quilômetros de vias e 90% são ocupadas por automóveis de passeio", lamentou.
 
A municipalização do imposto sobre a gasolina e a sua utilização integral para melhorar a qualidade e reduzir o preço da passagem do transporte público tem o apoio da campanha Tarifa Mais Barata Ja!, que possui mais de 38 mil assinantes e continua aberta a novas adesões.
 
Redução de gastos = passe livre
 
Dos oito convidados a comporem a mesa para o debate sobre a PEC, o prefeito de Agudos, Everton Octaviani (PMDB), foi o primeiro a se manifestar. Ele contou como foi possível ao município de 38 mil habitantes do interior de São Paulo, dez anos atrás, na gestão de seu tio, Carlos Octaviani, instituir a gratuidade no transporte coletivo.
 
"A prefeitura reduziu despesas e gastos para implantar o passe livre. Houve uma redução de cerca de 70% no número de cargos de confiança", justificou o prefeito. Dos 4 mil usuários por mês e quatro ônibus para atender os itinerários de bairro a centro, centro a bairro e bairro a bairro, o serviço passou a 9 mil usuários e 14 ônibus, segundo Octaviani.
 
A prefeitura gasta todo mês em torno de R$ 120 mil para manter o sistema gratuito, mas o prefeito diz acreditar que a melhor palavra para definir esse montante é ‘investimento’. "Ainda não fizemos um estudo para verificar, mas a cidade mudou bastante depois do passe livre, inclusive em receita. Cresceu muito. Qualquer especialista pode constatar isso", disse.
 
Ele admite que arcar com o serviço não é uma tarefa fácil e reclama da falta de subsídios. "A prefeitura paga o valor integral do combustível, das peças, não há abatimento ou incentivo (federal) porque fazemos transporte de graça. Por isso, é importante que continuemos unidos", conclamou.
 
Mais atenção às mulheres
 
A militante Léa Marques, da Marcha Mundial das Mulheres, defendeu uma atenção especial às mulheres no transporte, principalmente por serem elas a maioria (58%) dos usuários. "Se há um carro em casa, é o homem quem o usa para ir ao trabalho. A mulher vai de ônibus", disse.
 
Segundo ela, outra razão para um cuidado a mais com a mulher no transporte é o fato de que, normalmente, o homem só usa o transporte público para ir e voltar do trabalho, enquanto a mulher vai para o trabalho, leva os filhos à escola, faz supermercado etc.
 
Léa também observou que é preciso garantir maior segurança às mulheres dentro dos ônibus e trens, visto que é grande o assédio por parte dos homens, que se aproveitam da situação de lotação para promover o contato físico desrespeitoso. "É preciso fazer um diálogo pelo direito à cidade e contra o machismo, por um transporte com qualidade, sem violência e com segurança", enfatizou.
 
Mais atenção à periferia
 
Integrante do movimento Periferia Ativa, que congrega líderes comunitários da região sul de São Paulo, Gilson Alves Garcia defendeu a tarifa zero e mais qualidade no serviço que atende a periferia. "A tarifa não para de subir e a qualidade não para de piorar", iniciou Garcia.
 
Ele acredita que o morador das regiões mais afastadas da cidade, como o Capão Redondo e o M’Boi Mirim devem ser ouvidos, por exemplo, com relação aos itinerários. "É o usuário que tem que escolher onde é que o ônibus vai passar", avaliou.
 
Mais atenção à mobilidade reduzida
 
Assessor da deputada federal Mara Grabrilli (PSDB-SP) (que aos 26 anos ficou tetraplégica), o especialista em projetos de inclusão Rafael Públio, apresentou no seminário a importância de atenção não apenas a pessoas portadoras de necessidades especiais (23,9% da população brasileira têm algum tipo de deficiência), mas também àquelas que, de forma temporária ou permanente, têm sua mobilidade reduzida.
 
Segundo ele, o poder público não tem se preparado devidamente para atender o Decreto 5.296, de 2004, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e obriga que toda a frota de veículos do transporte público esteja adaptada até 2014.
 
Em São Paulo, segundo ele, dos 14.933 ônibus, 8.604 foram adaptados até o momento.
 
Direito à cidade
 
Militante do Movimento Passe Livre, Matheus Nordon Preis disse que a tarifa zero daria ao cidadão o direito à cidade, de desfrutar tudo o que ela oferece. Para ele, muitas pessoas deixam de ter acesso à saúde, educação, cultura, lazer e outros direitos garantidos na Constituição porque não têm como pagar a tarifa do transporte público.
 
Ele citou como exemplo a rotatividade de pacientes verificada nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) – que ele acompanha de perto. "A pessoa não tem como pagar para chegar até o CAPs e por isso frequenta no máximo dois meses", conta.
 
Preis também citou os vários casos de pessoas que moram nas ruas do centro de São Paulo, embora tenham casa na periferia. "Ou ele sustenta a família, ou paga passagem todo dia para voltar para casa", lamenta, concluindo: "Tudo depende do transporte, e as pessoas vivem o que elas e aonde elas conseguem chegar".
 
Tramitação
 
Além dessas, outras considerações e sugestões foram feitas e anotadas pelos membros da comissão, especialmente pelo relator Nilmário Miranda. Em 19 de novembro, o parecer deve ser colocado em votação dentro da comissão. Antes disso, os integrantes da comissão passarão por Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Campo Grande com o mesmo objetivo do encontro realizado em São Paulo.
 
Como toda PEC, a do transporte como direito social deverá ser votada em dois turnos na Câmara e no Senado, com quórum qualificado, ou seja, três quintos, no mínimo, do número total de deputados e senadores em cada turno da votação. Confira de forma detalhada, em matéria do portal Terra, como é o caminho de uma PEC no Congresso.
 
Leia mais sobre o seminário da PEC 90 em SP
Compartilhe este artigo