Tendências / Debates – Jornal Folha de S. Paulo
Criados para auxiliar tecnicamente o Legislativo no controle da gestão financeira dos governos e demais órgãos do Estado brasileiro, os tribunais de contas vêm ganhando notoriedade de maneira ambígua.
Ora por revelarem problemas de má gestão de recursos públicos, ora por alguns dirigentes se envolverem em decisões que os beneficiam ou em rede de interesses que fraudam contratos e licitações.
Duas questões permeiam essa ambiguidade. Como tornar os tribunais de contas mais acessíveis? E como garantir que estejam inteiramente voltados para o atendimento do princípio republicano do zelo pela coisa pública, que deveria orientar suas ações, equilibrando visões técnicas e políticas em suas decisões?
Já existem experiências de ouvidorias e de processos de capacitação da população para o entendimento das contas governamentais conduzidos por tribunais de contas. Tais iniciativas têm colaborado para que, de um lado, se possa contar com os cidadãos como atores públicos importantes no controle da ação governamental e, de outro, seja possível aperfeiçoar constantemente o trabalho dos tribunais de contas por meio de críticas da sociedade.
Não foram poucas as denúncias provenientes da sociedade que levaram o Tribunal de Contas da União (TCU) e também alguns Tribunais de Contas Estaduais (TCE) a iniciarem auditorias que acabaram por responsabilizar maus gestores públicos.
Isso nos leva a perguntar por quais razões o TCE de São Paulo e o Tribunal de Contas do Município de São Paulo ainda não criaram ouvidorias ou estruturas semelhantes que permitam um ciclo completo de interação com a sociedade.
Também se faz necessário o cumprimento da Lei de Acesso à Informação, que define que os relatórios de auditoria são documentos públicos e devem ser disponibilizados de forma ativa para consulta antes mesmo do julgamento final da matéria.
A questão sobre como garantir o zelo pela coisa pública nos remete a um problema central na estrutura dos tribunais de contas: a composição do seu corpo dirigente. Um terço é indicado pelo Executivo (para cada três, dois são recrutados entre auditores substitutos de conselheiros e membros do Ministério Público de Contas – MPC) e dois terços pelo Legislativo, sendo que todos precisam ser aprovados pelos parlamentares. Todavia, apenas recentemente o TCE-SP, após ter sido obrigado judicialmente, iniciou a inclusão de auditores e membros do MPC em seu conselho. O TCM-SP tem um corpo dirigente puramente político (quatro ex-vereadores e um ex-secretário de governo).
Não que um conselho eminentemente político indique que os trabalhos serão enviesados. Entretanto, é necessária a adoção de um mecanismo de pesos e contrapesos. A atuação dos representantes de carreira com assentos no colegiado seria um importante contraponto técnico.
A condenação de Paulo Maluf por superfaturamento na construção do túnel Ayrton Senna, confrontada com a aprovação de suas contas pelo TCM-SP, dá margem para inúmeros questionamentos.
No TCM-SP, está em curso a abertura de uma vaga para o seu corpo dirigente. Independentemente de quem seja a responsabilidade pela indicação para ocupar o posto, o momento é propício para o debate.
Fernando Haddad, que ganhou notoriedade por botar o combate à corrupção na agenda de seu governo, poderia se colocar à frente da discussão para que a indicação dos conselheiros também passe a ser pautada por critérios técnicos, e não mais apenas pela conveniência política de momento.
Qualquer órgão público deve ter o cidadão como principal cliente, o que não se tem visto de maneira adequada no TCM-SP. Se não caminharmos nessa direção, a lógica das indicações políticas prevalecerá mais uma vez. Vereadores candidatos a conselheiros é que não faltam.
MARCO ANTONIO CARVALHO TEIXEIRA, 49, é cientista político e professor de administração pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo
MAURÍCIO BROINIZI PEREIRA, 51, doutor em história econômica pela USP, é coordenador da secretaria-executiva da Rede Nossa São Paulo