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Na contramão do esforço internacional de promoção da integridade nos negócios, mais uma vez chama a atenção a conduta de empresas que atuam no Brasil com relação a mais um grande esquema de corrupção desvendado no país.
Especificamente no recente caso envolvendo desvios no ISS-Habite-se da Prefeitura de São Paulo, fraude que pode chegar aos R$ 500 milhões e que foi desvendada pela Controladoria Geral do Município e pelo Ministério Público do Estado, fica, novamente, evidenciada a estranha relação das empresas com esquemas especializados em desviar recursos públicos.
A investigação em andamento permite-nos inferir, com relação ao comportamento das empresas envolvidas, que somente há duas opções plausíveis:
1) As construtoras/incorporadoras beneficiaram-se diretamente do esquema, havendo recolhido menos impostos do que o devido e, nesse caso, deverão responder como corruptoras;
2) Se aceita a hipótese que vem sendo aventada pelo "mercado" de que não havia escolha, pois o único modo de obter a certidão de quitação era com o pagamento de propina, as empresas foram, no mínimo, omissas e coniventes com o ato ilícito, ao não denunciarem tal prática às autoridades competentes.
Com relação à segunda hipótese, não nos parece crível que um mercado tão importante como é o caso da indústria da construção civil não tenha meios de fazer chegar às autoridades, seja via direta, seja por meio de associações ou sindicatos, a existência de tão amplo e duradouro esquema criminoso.
Além disso, se de fato as empresas foram vítimas, após o anúncio da descoberta da fraude, todas deveriam comportar-se como tal, procurando os responsáveis pela investigação para dar detalhes sobre como foram extorquidas, informando, por exemplo, como, quanto e para quem pagaram propina.
No entanto, semanas após a deflagração da Operação Necator, não é isso o que vem ocorrendo. Apenas uma ou duas das empresas procuraram voluntariamente a Controladoria Geral do Município e Ministério Público do Estado. As demais, e são muitas, permanecem em um silêncio sepulcral.
Que vítimas são essas que, diante da oportunidade de penalizar corruptos que sangram os cofres públicos, permanecem inertes? Onde está a responsabilidade social das empresas que atuam no país na luta contra a corrupção?
Somado a isso está a divulgação de que um dos investigados supostamente teria sido avisado por um representante do Secovi, o sindicato das empresas do setor imobiliário, sobre a investigação que vinha sendo realizada, o qual lhe teria proposto um acordo para a manutenção do silêncio.
O Secovi apressou-se em repudiar seu envolvimento do caso. Sugere-se à respeitada entidade que use o mesmo ímpeto para mobilizar seus associados a colaborar com as investigações e recolher rapidamente o imposto surrupiado dos cofres municipais. Tal mudança de comportamento por parte das empresas que se relacionam com o setor público é ansiosamente esperada pela nossa sociedade.
A entrada em vigor, em janeiro de 2014, da lei nº 12.846/13, que prevê a aplicação de duras penalidades às empresas corruptoras – e que vem sendo chamada de Lei Anticorrupção – poderá ajudar a mudar esse quadro.
No entanto, seria bom se a esperada mudança comportamental não tivesse que decorrer de uma imposição legal, mas tão somente de princípios éticos e da óbvia noção que a corrupção prejudica também o setor privado, promovendo danos ao desenvolvimento econômico e social, reduzindo o nível dos investimentos e causando a concorrência desleal.
Do contrário, estaremos diante de mais um indicativo a simbolizar o grau de degradação ética na relação entre os setores privado e público no Brasil e estaremos fadados a continuar sendo um país de corruptos sem corruptores.
MÁRIO VINÍCIUS SPINELLI é controlador-geral do município de São Paulo e ex-secretário de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União