“Multas aumentam, mas lixo se espalha pelas ruas de São Paulo” – Folha de S.Paulo

ROBERTO DE OLIVEIRA
DHIEGO MAIA
DE SÃO PAULO

Quem passa pela rua Joaquim Floriano avista prédios modernos e espelhados, lojas sofisticadas e um eclético cardápio de restaurantes, paisagem tão cara ao Itaim Bibi.

Perto da rua Iguatemi, a vista se embaralha: há um sofá velho encalhado no caminho.

O móvel tornou-se morada de diferentes espécies. Sobre a água que se acumula, um criadouro de pernilongo. Sujo e desgastado, é ideal para camuflar baratas e ratos.

Vez ou outra, moradores de rua fazem uma pausa por ali. O objeto virou depósito de lixo numa das regiões mais luxuosas da capital.

A advogada Jeanne Darc de Faria, 35, avista a "ilha" de lixo do alto do 19º andar do escritório onde trabalha.

O assento descartado é "o símbolo do sentimento que a administração pública e os próprios cidadãos possuem pela cidade: falta de amor pelo bem comum", diz ela.

A julgar pelas multas aplicadas contra as duas empresas responsáveis pela varrição, a prefeitura tem conhecimento desse quadro. Desde o início do governo Haddad até o último dia 20, a administração petista emitiu 370 multas, 25 vezes mais que o mesmo período de 2012.

Segundo as empresas, o que contribui para essa situação são os chamados "pontos viciados"… em lixo. Nesses lugares, mesmo com as varrições, há sempre sujeira acumulada –ao todo, a cidade tem 4.373 pontos.

No centro, a situação é ainda mais crítica. Sacos de lixo residencial e comercial são revirados por moradores de rua à procura de latinhas, que são vendidas em ferro-velho.

Quando caminhões passam, funcionários se atêm aos sacos de lixo. O material despejado na rua fica ali, "para o pessoal do próximo turno [da varrição] recolher", disse um coletor.

A três semanas do verão, quando começa a temporada de chuvas, lixo acumulado em praças, vias e terrenos não é exclusividade de bairros nobres ou do centro.

Nas últimas duas semanas, a Folha percorreu cerca de 50 km em diferentes regiões. Viu acúmulo de entulho, garrafas PET, frascos plásticos e os mais variados tipos de embalagem "flanando" por lugares como Itaim Bibi (zona oeste) e Itaim Paulista (zona leste).

"O lixo tornou-se endêmico pela cidade", diz o engenheiro Abdias Ferreira Filho, 72, do Jardim Paulista.

O engenheiro cita como exemplo a rua Pamplona. "Principalmente aos sábados, o transeunte se depara com muito lixo espalhado", disse. "Estranho assistir a essa situação. Ainda mais por ser bairro classe A."

Para Abdias, "há descaso da prefeitura em um momento em que se discute o aumento do IPTU", critica.

‘IPTU PRIVILEGIADO’

Moradora do Jardim América há 69 anos, a historiadora Marize Carvalho Vilela, 70, diz que vive, sim, numa área superprivilegiada, "mas nós pagamos um IPTU também superprivilegiado, que não corresponde aos serviços públicos de limpeza".

O descaso, segundo Marize, chegou às regiões ricas. "Costumo passear com os meus três cães pelo bairro. É comum a gente se deparar com acúmulo de sujeira. Na rua Cuba, há uma montanha de lixo já faz tempo."

Lixeiras roubadas ou destruídas não são repostas. "Claro que população sem cultura colabora, mas a prefeitura não pode se furtar de suas obrigações."

Para "sujar mais", as lixeiras são constantes alvos de vandalismo. Em média, 2.500 são trocadas por mês.
 

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