Por Ricardo Brandt
Ministérios Público Federal e Estadual investigam captação acima do limite técnico; medida teria agravado a situação das represas
O racionamento de água no Sistema Cantareira deixou de ser decretado em janeiro porque foi autorizada pela União e pelo Estado uma liberação maior de água do que ele poderia produzir sem comprometer os níveis. A medida pode ter agravado o esvaziamento das represas e é investigada pelo Ministério Público Estadual e Federal.
Um documento de janeiro da Agência Nacional de Águas (ANA) já alertava sobre a necessidade de racionamento no Cantareira. Chamado de Boletim de Monitoramento dos Reservatórios do Sistema Cantareira, ele aponta que o Cantareira poderia produzir dentro de uma margem de segurança 25,8 mil litros por segundo em janeiro. Nesse item, há a observação "RACIONAMENTO" em vermelho.
A ANA explicou que a quantia seria inferior à vazão mínima estipulada de 27,8 mil litros de água por segundo para garantir o abastecimento público dos 8,8 milhões de pessoas da Grande São Paulo e 5,5 milhões do interior. São 24,8 mil litros por segundo para a Companhia de Saneamento Básico do Estado(Sabesp) abastecer 47% da Região Metropolitana e 3 mil litros por segundo para as cidades da região de Campinas.
Segundo a ANA, a liberação maior de água para a Sabesp bem como o uso do chamado "banco de água" (uma reserva do sistema que é usada nos períodos de estiagem) evitou o racionamento registrado no documento. "Foi autorizado (a retirada de) 27,8 mil litros por segundo mais a vazão disponível no banco de água. Por isso, não houve racionamento", confirmou a ANA, em nota.
O documento da agência foi anexado ao inquérito civil aberto em novembro pelo Ministério Público Estadual, que juntamente com o Ministério Público Federal investiga as medidas de partilha da água autorizadas à Sabesp. "Questionamos a ANA em Brasília sobre essa observação de racionamento e eles não souberam explicar na ocasião. O que fica claro é que desde que começou a crise a ANA e o Estado não têm respeitado a curva de aversão a risco, que estipula o quanto se pode usar de água do Cantareira para não secá-lo, e têm adotado decisões que fogem ao critério técnico", afirmou a promotora Alexandra Facciolli Martins.
No documento da ANA, a Sabesp solicitou vazão média de 29,2 mil litros de água por segundo para janeiro e foi atendida integralmente. As cidades do interior solicitaram 7 mil litros de água por segundo e tiveram liberados 3 mil litros por segundo. "Isso mostra que foi feita uma divisão desigual entre as partes e que liberações maiores do que as permitidas pela outorga têm sido feitas para evitar o racionamento, mas agravando o risco de o sistema secar. O problema é que a estiagem ainda vai começar", diz a promotora.
Sem comentários
O Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), do Estado, informou que não comenta as medidas. A Sabesp, por meio de nota, informou que segue as determinações dos órgãos reguladores e o abastecimento nas cidades está sendo mantido. Citou ainda as medidas de incentivo à economia como ações para evitar o racionamento.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo