Especialistas alertam para o risco das substâncias tóxicas no fundo das represas
Por Ricardo Brandt
A captação de água do volume morto do Sistema Cantareira ameaça trazer à tona poluentes depositados no fundo das represas, onde se concentram contaminantes que não são tratados por sistemas convencionais para o abastecimento. Três especialistas em biologia e toxicidade em corpos d’água fizeram o alerta ao Ministério Público Estadual (MPE), que abriu inquérito civil para investigar a crise hídrica do sistema responsável pelo abastecimento de 14,3 milhões de habitantes na Grande São Paulo e no interior.
"Quando se cogita fazer o uso do volume morto, por causa das condições emergenciais de necessidades hídricas, antes que esteja disponível para o abastecimento público, deve passar por análise criteriosa e tratamento adequado para atendimento dos padrões normatizados de qualidade de água", afirmam, em parecer, Dejanira de Franceschi de Angelis e Maria Aparecida Marin Morales, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Silvia Regina Gobbo, da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep).
O documento embasou o pedido feito pelos promotores do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) para que a Agência Nacional de Águas (ANA), o Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e a Companhia do Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) informem quais os critérios de uso do volume morto. O MPE exige quais garantias foram pedidas para não haja movimentação do lodo das represas durante a captação e quais exames de qualidade da água serão feitos.
Segundo as pesquisadoras, "quanto mais baixo o nível dos reservatórios, maior é a concentração de poluentes, recomendando maiores cuidados com seus múltiplos usos". Entre os elementos citados que contaminam os mananciais há compostos inorgânicos (metais e outros agentes tóxicos), orgânicos altamente reativos com os sistemas biológicos (hidrocarbonetos aromáticos, biocidas e fármacos), microbiológicos (bactérias, fungos e protozoários patogênicos) e vírus.
"Muitos dos poluentes que contaminam os rios apresentam potencialidade de alterar o material genético dos organismos expostos, até mesmo do homem, e, consequentemente, desencadear problemas de saúde, como desenvolvimento de doenças crônicas (tais como alterações nas funções da tireoide, do fígado, dos rins), agudas (tais como intoxicações, alergias, diarreias), degenerativas (Parkinson, Alzheimer etc.) e o câncer", relataram as pesquisadoras da Unesp e da Unimep.
Para os promotores do Gaema, a mortandade de mais de 20 toneladas de peixe no Rio Piracicaba, em fevereiro, provocada pela baixa vazão do manancial, foi "apenas um dos primeiros indicadores visuais da gravidade da situação, que, se persistir, poderá acarretar em impactos gravíssimos, muitas vezes irreversíveis". Ontem, diante da situação, o MPE negou à ANA e ao DAEE pedido de prorrogação de 30 dias para que eles respondessem quais critérios serão adotados para a retirada da água do volume morto.
Autorizações
A Sabesp informou que apenas se pronunciará sobre os questionamento após ser notificada pelo MPE. No entanto, a empresa afirmou que tem todas as autorizações ambientais para a execução da obra de captação de água do volume morto.
De acordo com a Sabesp, as obras foram iniciadas no dia 17 do mês passado nas Represas Atibainha, em Nazaré Paulista, e Jaguari, em Bragança Paulista. A intervenção vai custar R$ 80 milhões e será concluída em dois meses. "O volume de água que estará à disposição para abastecimento público é de 200 bilhões de litros. A reserva total é de 300 bilhões de litros", informou a Sabesp.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo