O mundo está se urbanizando rapidamente. Atualmente 50% da população mundial vive em áreas urbanas; em 2050, serão 80%. No caso da América Latina, 80% da população já vive em cidades, e a estimativa para 2050 é que esse número chegue a 89%.
Tal transformação demográfica altera profundamente a maneira como o mundo é governado. As cidades, com o seu entorno rural, estão se transformando nas principais unidades de gestão do território e da sociedade.
As realidades locais são diversas e dinâmicas. No entanto, além das particularidades, muitas cidades apresentam situações semelhantes de injustiça social, déficit democrático, perda de patrimônio histórico e cultural, degradação ambiental e práticas de desenvolvimento insustentáveis.
Para Joi Ito, diretor do Media Lab do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), a chave da inovação na busca pelo desenvolvimento urbano sustentável é entender e trabalhar junto com a natureza, no lugar de tentar controlá-la, e permitir e reforçar a inovação na base nos processos de governança e planejamento.
O filme A Escala Humana (The Human Scale) apresenta o contexto de urbanização acelerada e desordenada em algumas das maiores cidades do mundo, em diferentes continentes, e a importante tarefa do aclamado arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl e sua equipe por recuperar o espaço público nas cidades para os pedestres e ciclistas, em detrimento dos veículos motorizados. Com isso, busca-se construir outro modelo de desenvolvimento urbano, com o foco nas pessoas, na escala humana e no ambiente propício para melhorar a qualidade de vida nas cidades. Em Nova York, por exemplo, estão transformando algumas ruas emblemáticas como a Broadway e a Times Square em espaços de contemplação, voltados para a convivência entre as pessoas.
O filme A Síndrome de Veneza (The Venice Syndrome) retrata as dificuldades que enfrenta um dos centros culturais e históricos da Itália e do mundo, acolhendo milhares de turistas de todas as nacionalidades diariamente. São mais de 20 milhões de visitantes em Veneza anualmente, o que gera impactos significativos no cotidiano da cidade e de seus moradores.
Numa viagem por duas cidades com contextos socioculturais muito diferentes – Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e Detroit, nos Estados Unidos – o filme Sempre fui um Sonhador (I Have Always Been a Dreamer) mostra como o planejamento norteado unicamente pelo crescimento econômico tem moldado a paisagem física e impactado as comunidades locais.
O filme Ecumenopolis: Cidade sem Limites (Ecumenopolis: City Without Limits) também retrata esta dinâmica de crescimento sem limites e sem um planejamento participativo e inclusivo na mística cidade de Istambul, na Turquia. A obra busca mostrar o custo social e ambiental desse modelo de desenvolvimento predatório. Semelhante à situação em algumas cidades brasileiras em ano de Copa, a área de Ayazma, afastada e carente de serviços públicos e de infraestrutura urbana, tornou-se uma área valorizada após a construção do Estádio Olímpico de Istambul, sofrendo um intenso processo de especulação imobiliária.
Atualmente as cidades parecem buracos negros de recursos naturais. Grandes quantidades de matérias primas são extraídas de diferentes ecossistemas para serem processadas e consumidas principalmente nos centros urbanos. O filme Guerra de Areia (Sand Wars) mostra as cadeias produtivas e os impactos sociais e ambientais vinculados a um dos recursos mais explorados hoje em dia, a areia. Cada casa, prédio, ponte, shopping, aeroporto, celular, computador e muitos outros produtos utilizam areia como matéria prima em algum dos seus componentes. Mas a areia é um recurso infinito? Existe areia suficiente para esta demanda desmedida? Quais são as consequências socioambientais da mineração de areia? Qual é a responsabilidade das cidades em relação à sobrevivência e sustentação dos ecossistemas?
Não há como dissociar a qualidade de vida nas cidades do verde, da biodiversidade urbana. Como diz o arquiteto australiano Paul Downton, “uma autêntica cidade ecológica deve não só estar em sintonia com a natureza, mas deve regenerar e restaurar os ecossistemas naturais de forma permanente”. O filme Tóquio Waka (Tokio Waka) representa poeticamente esta relação entre a natureza e a agitada e cinzenta vida moderna. Com a sensibilidade característica do cinema japonês, o filme retrata o cotidiano dos milhares de corvos que vivem em Tóquio e se adaptam aos 13 milhões de habitantes da cidade. Ou são os habitantes que se adaptam aos corvos?
O curta Fora de Quadro (Out of Frame), de Yorgos Zois, rodado na Grécia, filma centenas de outdoors sem publicidade alguma. A mensagem é justamente os outdoors vazios. Imagens que retratam não apenas o colapso social e financeiro mas, ao mesmo tempo, segundo palavras do diretor, o nosso próprio mundo interior.
O grande desafio das cidades é superar sua aura reducionista de locus do consumismo (cujo corolário tem sido lixo, poluição, congestionamentos crescentes etc) e melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos, diminuindo as desigualdades e incluindo-os nos processos decisórios e de planejamento, cuidando e valorizando seu patrimônio cultural, além de restaurar e regenerar os ecossistemas de forma permanente.
Ariel Kogan e Mauricio Broinizi Pereira integram a Rede Nossa São Paulo, movimento criado em 2007 com o desafio de mobilizar diversos segmentos da sociedade para, em parceria com instituições públicas e privadas, construir e se comprometer com uma agenda e um conjunto de metas, articular e promover ações, visando a uma cidade de São Paulo justa e sustentável.
Matéria originalmente publicada no portal da 3ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental