O câncer da corrupção se instalou na política institucional, está avançando, ameaça se tornar uma metástase e matar o que resta de credibilidade nas instituições públicas e na democracia. O pior que pode acontecer é atribuir tal calamidade a determinado partido, governo, pessoa, razões históricas e culturais ("brasileiro é assim mesmo"). Ou ainda a questões morais, já que o que nos restaria seria oscilar entre o pessimismo e o fatalismo ("não tem jeito mesmo") ou achar que, mudando de partido, governo, pessoa ou apenas pregando valores morais, acabaríamos com a corrupção na política.
Já que a corrupção é quase generalizada, precisamos tomar consciência do processo que gera tantos desmandos. Quem tem um pouco de informação do que ocorre na política sabe que o processo danoso se chama financiamento privado empresarial de campanhas eleitorais.
Para se eleger, é preciso arrecadar cada vez mais recursos, pois as campanhas são ainda mais caras. Em 2010 e 2012, por exemplo, os candidatos receberam mais de R$ 4 bilhões das companhias privadas. Quem não consegue arrecadar uma boa quantia de dinheiro tem pouca chance de se eleger. Quem investe nos candidatos quer retorno, e a maioria dos políticos passa metade do mandato tentando retribuir as doações e a outra metade tentando assegurar recursos para a próxima eleição. O retorno se dá ou por medidas que beneficiam só os doadores ou por meio de acesso privilegiado a recursos públicos.
Não conheço nenhuma empresa que goste de ver seu nome aparecer na lista oficial de doadores. Por isso, uma boa parte dos recursos de campanha tem origem em caixa dois e em outras atividades ilegais que, infelizmente, ganham cada vez mais influência na política.
A política está virando um grande negócio movido frequentemente por dinheiro ilegal, que pavimenta o caminho da eleição e cobra retorno lesivo à democracia e aos interesses sociais, econômicos e éticos do Brasil.
Não podemos nutrir nenhuma esperança de que o Congresso Nacional introduza mudanças profundas no processo político pela simples razão de que os atuais políticos chegaram ao poder graças ao sistema atual.
Mudanças para valer serão, por exemplo:
- cada candidato ter direito a um valor fixo e predeterminado para sua campanha, a depender do cargo pretendido (valores diferentes para cargo de vereador, deputado, senador, prefeito, governador e presidente);
- o candidato poder optar por recursos privados ou públicos, alegando que não quer usar o dinheiro do contribuinte ou que não quer ter "rabo preso" com ninguém (é assim em alguns Estados nos Estados Unidos);
- o candidato ter que publicar diariamente, via internet e na porta do comitê eleitoral, as suas despesas;
- o candidato e o doador que cometerem irregularidades serem punidos de forma rigorosa. Além de permitir que pessoas de bem, mas sem recursos, possam se eleger (o que é muito difícil atualmente), esse sistema permitiria aos eleitores, durante a campanha eleitoral, saber quem financia a campanha do candidato. Também ofereceria instrumentos à sociedade, à mídia, à Justiça Eleitoral e aos adversários políticos para detectarem quando o candidato omite alguma despesa ou quando desenvolve atividades acima do limite legal dos recursos disponíveis (uso de recursos ilegais).
Com tais medidas, seria arriscado e tecnicamente muito difícil burlar a legislação. As campanhas seriam menos caras. Aos cidadãos ficaria claro a serviço de quem estão os candidatos que recebem doações privadas, e a possibilidade de usar recursos públicos para as campanhas tornará os políticos mais comprometidos com as causas públicas.
Creio que chegamos ao ponto em que participar é dever cívico e ético, e omissão é cumplicidade. Os riscos para a nossa democracia (demonstrados pela baixíssima credibilidade da classe política, segundo pesquisas de opinião) são enormes.
Artigo de Oded Grajew, coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, publicado no portal do Brasil Post