Por Vanessa Correa
Os prédios de apartamentos com comércio "no pé" estão voltando.
Construtoras "alternativas", que apostam que o novo desejo do paulistano é ter tudo perto de casa, começaram a investir em condomínios com loja no térreo. Com a iniciativa, elas se antecipam ao novo Plano Diretor, em discussão na Câmara Municipal, que tem mecanismos para incentivar a prática.
Nos últimos três anos, a empresa Idea!Zarvos lançou quatro empreendimentos do tipo na cidade. As incorporadoras Huma e Vitacon também têm buscado atingir um público mais ligado às questões urbanas. A primeira prepara um lançamento nesse modelo para o final do ano. A segunda já está com três edifícios lançados.
Os bairros escolhidos são Vila Madalena, Vila Olímpia, Jardim Paulista e Itaim Bibi, na zona oeste. Até 2016, ao menos metade deles estará pronto.
O que vem com cara de novidade não é mais do que o "revival" de um tipo de urbanização comum na cidade até os anos 1970. O centro e bairros centrais como Higienópolis e Santa Cecília, que aparece nas fotos desta reportagem, são provas desse passado recente.
Mas aí uma nova lei de uso e ocupação do solo foi criada. Os prédios, antes colados à calçada, tiveram de recuar para dentro do terreno e passaram a ter grades.
Mesmo nas áreas que continuaram mistas (lojas e residências permitidos), o modelo com comércio ao nível da rua ficou desinteressante. E o que era misturado, passou a ser separado: lojas em em um lugar, moradia em outro.
Surgiram então os edifícios tipo condomínio fechado. Os prédios, em vez de ter uma ligação com a cidade, passaram a conter tudo em si: piscina, parquinho, churrasqueira, quadra de esportes, academia e sauna.
Para Renato Cymbalista, professor de história do urbanismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a preocupação em ter o comércio no bairro perdeu importância na medida em que o carro particular ascendeu como meio de transporte. "O complemento dele é o shopping."
Nova Rodada
De acordo com Cymbalista, estamos agora em uma "nova rodada", em que a sociedade volta a enfatizar o uso do espaço público. "Se antes o modelo era a casa grande com jardim, hoje ele passa a ser o da cidade densa, mais parecida com Higienópolis, onde há mistura de moradia, trabalho, lazer, estudo."
Já o empreendedor Otávio Zarvos, da Ideia!Zarvos, vê o sumiço das lojas embaixo dos prédios também como uma questão de "preconceito". Para ele, a degradação do centro, que tradicionalmente abrigou essa mistura de residencial com comercial, fez as pessoas associarem o comércio no pé com degradação. "Criou-se um estigma de que o comércio atrai pessoas mais pobres. E, em São Paulo, há o temor de se misturar".
Ele pondera, no entanto, que o térreo comercial é bem aceito em bairros com população jovem e nível "intelectual, não necessariamente econômico" mais alto, como Vila Madalena. "São pessoas que já saíram do Brasil, sabem que a mistura é absolutamente normal. Até o prédio onde mora a família real de Mônaco tem loja embaixo: um banco."
A designer Gislene Bustamante, 50, acaba de comprar um apartamento no lançamento POP Madalena, da Idea!Zarvos, para o filho de 18 anos. Para ela, o fato de o prédio ter uma loja embaixo "nem incomodou nem foi razão da compra".
Por outro lado, Gislene diz que gosta da ideia de um edifício integrado à cidade, "coisa que a gente vê mais na Europa. Moro em Higienópolis porque eu gosto dessa relação que a gente tem com o comércio, de descer para tomar um café, ter serviços a pé, com facilidade."
Há hoje bastante consenso entre urbanistas de que bairros mistos são mais interessantes para a cidade. Ajudam o trânsito, já que não é preciso pegar o carro para comprar pão. Eles também deixam o ambiente mais seguro, porque há sempre alguém na rua. Além disso, a mistura favorece o encontro no espaço público, deixando o bairro mais interessante e a cidade mais viva.
Plano Diretor
O texto do próximo Plano Diretor, que está em discussão na Câmara Municipal, prevê a criação de incentivos para que a cidade volte a construir prédios mistos, como redução de IPTU e desconto da área de comércio do total de metros quadrados que podem ser construídos no terreno.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo