Por Eduardo Geraque
O uso do chamado "volume morto" das represas do sistema Cantareira vai atrasar a recuperação dos reservatórios quando a chuva voltar, dizem especialistas.
O "volume morto" é formado pela água que está no nível mais profundo das represas. Por ficar abaixo da tubulação que capta o líquido dos reservatórios, ela precisa ser bombeada para a superfície. Essa reserva começará a ser usada no próximo dia 15.
Mas, se o próximo verão não tiver temporais fortes e constantes, o risco de desabastecimento das 9 milhões de pessoas que usam o Cantareira se repetirá em 2015.
Ontem, as represas que formam o sistema chegaram a 10% de sua capacidade. Segundo o governo, o nível subirá 18,5 pontos percentuais quando o volume morto começar a ser usado. Isso descartaria a hipótese de um racionamento neste ano.
Mas, segundo especialistas ouvidos pela Folha, haverá uma dificuldade adicional em repor a água do sistema depois do uso desse volume. Isso se deve a uma espécie de "efeito esponja", que ocorre em áreas muito secas que voltam a receber chuva.
"O solo exposto dos reservatórios está muito ressecado, muito trincado. Vai demorar pelo menos um mês com chuvas constantes para que essa represa comece a encher novamente", afirma Pedro Cortês, professor de Gestão Ambiental da USP.
Segundo ele, o histórico do Cantareira e das chuvas na região mostra que o período de recarga de água nas represas só ocorre entre os meses de outubro e março.
"A grande questão agora, com o uso do volume morto, é saber o que vai ocorrer no ano que vem. Não podemos afirmar que vai chover o suficiente na próxima época chuvosa", diz Cortês.
Procurada ontem pela reportagem, a Sabesp afirmou que não iria se manifestar.
Para o geólogo Mateus Simonato, da empresa Servmar, quando a chuva voltar, terá que preencher os poros do terreno seco.
"Quando voltar a chover, não será só o nível do volume morto e de seu entorno que serão preenchidos", diz. "Todo o perfil de solo da região será uma esponja para as águas pluviais."
Apesar de prever esse fenômeno natural nas represas do Cantareira, Simonato não critica o uso do volume morto.
"Se é o que está mais à mão no momento, é com ele que devemos contar", diz.
Ele critica, por outro lado, a maneira como a atual crise hídrica está sendo administrada. "Não foram feitos estudos que subsidiem as decisões a serem tomadas", diz.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo