Por Raquel Rolnik
Estamos diante da possibilidade de aprovar um novo Plano Diretor para São Paulo ou de deixar tudo como está. Acredito que, se quisermos vislumbrar uma vida melhor para os habitantes de São Paulo, transformações urbanísticas profundas serão necessárias. Essas não se realizarão jamais através deste –ou de outro– Plano Diretor, mas aprová-lo pode abrir caminhos.
Neste momento em que o substitutivo está sendo debatido na Câmara Municipal –sofrendo pressões as mais diversas, inclusive de setores conservadores que preferem manter tudo como está– a pergunta fundamental é: a proposta avança ou não em relação ao que temos hoje?
A meu ver, já está claro que os instrumentos de que dispomos não proporcionam à cidade o mínimo de qualidade urbanística. Cada vez mais moradores desejam repensar coletivamente a organização de seus bairros, em um movimento potente de participação local em curso na cidade.
Isso pode e deve ocorrer não na escala de um Plano Diretor, genérico e distante do dia a dia das pessoas, mas na elaboração de planos de bairro, etapa que deve suceder imediatamente a aprovação do Plano Diretor, alimentando inclusive a revisão do zoneamento. Mas a cidade não é uma soma de bairros e, portanto, antes de mergulhar nessa escala é necessário pactuar grandes diretrizes,papel que cabe ao Plano Diretor.
Se esse substitutivo não é "remédio", ele traz, sim, possibilidades de avanço.
Em primeiro lugar porque propõe uma política fundiária para a habitação que avança no sentido de garantir uma reserva de terras para moradia popular. São as Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), a destinação para habitação de recursos da outorga onerosa (valor pago para construir além do coeficiente básico), e também da cota de solidariedade, que destina 10% da área de empreendimentos a partir de 20 mil m² para moradia popular. Se não há terra, não há teto e, portanto, todos os instrumentos que avancem na constituição de reservas fundiárias bem localizadas para moradia são bem-vindos.
Outro avanço desse substitutivo é introduzir uma lógica na definição de onde podem ser construídos prédios. O zoneamento que temos hoje mais parece milho jogado no mapa. O novo plano propõe maior densidade construtiva nos eixos de transporte coletivo de massa e menos nos miolos dos bairros, introduzindo também alguns elementos de desenho urbano.
Além disso, com todas as dificuldades que envolvem a participação popular nesse tipo de tema, foi possível desenvolver um processo no qual não apenas equipes técnicas da prefeitura e da Câmara se envolveram, mas diversos setores da sociedade puderam pensar, debater, formular e contribuir, inclusive através de ferramentas via internet. Isso sem dúvida confere legitimidade ao processo.
Através da discussão pública e transparente de emendas, deve-se avançar mais: por exemplo sendo mais radical em relação à restrição de vagas de garagens e, principalmente, definindo melhor o destino das áreas não cobertas pelos eixos de adensamento que serão objeto de projetos específicos, entre outros.
Não aprová-lo, porém, é bloquear o caminho para repensar São Paulo e avançar na construção de uma cidade mais justa, agradável e includente.
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo