Por Helio Mattar
O debate sobre a seca antológica em São Paulo entrou em um novo capítulo diante do fim da época de chuvas. Elas não vieram. O sistema Cantareira, que abastece mais da metade da região metropolitana, corre o risco de não seguir abastecendo. O comitê anticrise, que monitora a seca, se preocupa com uma nova estiagem no fim do ano, depois de termos vivido o verão mais seco em 84 anos.
Sem mascarar a gravidade da crise, há nela uma grande oportunidade de mudar o formato de consumo de água, com o engajamento cidadão de todos a uma postura mais consciente.
Se cada um dos 8,8 milhões de habitantes da região metropolitana de São Paulo, que são abastecidos pelo sistema Cantareira, reduzir em 20 minutos sua utilização diária de água, juntos adiaremos em um dia o esgotamento desse sistema. O cálculo, realizado pelo Instituto Akatu, foi feito para o cenário da vazão média do Cantareira em abril, de 23,9 mil litros por segundo.
O fenômeno do clima extremo, consequência do aquecimento global, faz da imprevisibilidade uma nova regra do jogo. A ciência aponta que, havendo chuvas, elas podem ser intensas e provocar inundações em locais antes inimagináveis. E, quando houver secas, é possível que se prolonguem por períodos extensos trazendo consequências trágicas. Ou seja, não há mais como usar dados históricos para prever chuvas.
Precaução é a palavra-chave para governos e para cada um de nós. O poder público, tocado pela lógica de um ano eleitoral, fez uma aposta insensível à seriedade da seca em São Paulo. Nesse cenário nós, cidadãos, podemos mostrar força sem aguardar uma solução divina ou governamental – ainda que seja obrigação dos governos preparar a população para situações como esta.
Com a redução de 20 minutos na utilização diária individual de água, manteríamos o sistema atendendo as necessidades de água por mais tempo.
Sabemos que as residências representam só 10% do uso total da água. Mas é dentro de casa que começa a conscientização sobre a importância do cuidado no seu uso.
Algumas medidas de redução do consumo são simples: fechar a torneira ao escovar os dentes, usando um copo para os enxágues; no chuveiro, coletar em um balde a água que corre ociosa até esquentar, aproveitando-a para outras finalidades; diminuir o tempo de banho, maior gasto de água dos paulistanos.
Há um grupo de ações que requer pequeno esforço inicial. Em residências com caixas d"água acopladas aos vasos sanitários pode-se reduzir a água da descarga colocando no fundo da caixa uma garrafa PET com dois litros de água. Se antes eram consumidos dez litros por descarga, isso fará o sistema usar apenas oito: são dois litros economizados a cada descarga.
Um terceiro grupo de medidas envolve mudanças mais atentas. Em vez de lavar a louça com a torneira aberta, para economizar usam-se três recipientes com água: no primeiro, mergulha-se a louça suja e ensaboa-se; em seguida, fazem-se dois enxágues. E ainda: ao ligar a máquina de lavar roupas somente em sua capacidade máxima, usa-se a menor quantidade de água possível.
Um último bloco de ações pede investimento financeiro. Inclui-se aí a instalação de redutores de vazão no bocal dos chuveiros ou a troca por aparelhos ou bocais de menor vazão. Pode-se instalar um sistema de descarga com fluxos diferentes para resíduos líquidos e sólidos. Ou, para quem vive em casa, instalar sistemas de tratamento e reuso da água.
Não é preciso, e nem podemos, assistir passivamente à aproximação dessa tragédia anunciada do fim da água de São Paulo. Há um grande poder em nossas mãos para mudar a realidade pensando no futuro, já que, na era do clima extremo, nada será como antes.
Surge diante de nós a oportunidade de olhar os recursos naturais, que agora sabemos finitos, com outros olhos. Não mais do ponto de vista de uma sociedade de consumo, mas de uma sociedade de bem-estar, na qual o uso consciente e parcimonioso da água será vital para a nossa sobrevivência como espécie.
Matéria originalmente publicada no portal UOL