Por Artur Rodrigues e Reynaldo Turolo Jr.
O futuro Plano Diretor, que dará as diretrizes do desenvolvimento de São Paulo pelos próximos 16 anos, prevê a regularização de loteamentos clandestinos e favelas a mais de 50 km do centro da cidade e às margens de represas.
O principal objetivo do projeto, que depende de segunda votação na Câmara, é estimular a habitação próxima dos eixos de transporte para diminuir o tempo de deslocamento até o trabalho.
Mas algumas áreas que o plano regulariza vão na contramão dessa prioridade. O Jardim Vera Cruz, no extremo sul, por exemplo, fica a 14 km do corredor de ônibus mais próximo, em Parelheiros.
"Aqui falta tudo. Não tem esgoto, água encanada, transporte", diz a auxiliar de serviços Nilza Rodrigues Santos, 57, moradora do bairro. Ela gasta seis horas diárias para ir e voltar do trabalho.
Relator do Plano Diretor e integrante da base do prefeito Fernando Haddad, o vereador Nabil Bonduki (PT) diz que a regularização desse tipo de bairro só ocorre por falta de opções para remoção.
"Se fosse possível, seria melhor que ele [o bairro] não existisse. É distante, totalmente incoerente com o que o Plano Diretor propõe, que é aproximar habitação do emprego, mas ele já está consolidado", afirma Bonduki.
Parte do bairro está entre as chamadas Zeis 1 (Zonas Especiais de Interesse Social 1), áreas ocupadas por população de baixa renda em que há interesse do poder público de fazer regularização, melhorias e moradias populares.
A Folha visitou outros pontos do extremo sul da cidade que se encaixam na categoria e, ao mesmo tempo, são isolados e à beira das represas Billings e Guarapiranga.
A estimativa é que cerca de 1,5 milhão de pessoas vivam no entorno dos dois reservatórios. A legislação admite a possibilidade de moradia nas áreas de mananciais, mas com restrições de distância.
"As ocupações já existem. Se a gente não der resposta para esse problema, as famílias que estão lá continuarão poluindo a represa", diz Bonduki. "Imaginar que seja possível remover 1,5 milhão de pessoas é fora da realidade."
O Plano Diretor, segundo ele, vai melhorar a situação desses locais e ainda tentar estimular a ocupação de áreas com melhor infraestrutura por meio de outros mecanismos, como o incentivo à ocupação de terrenos subutilizados mais próximos do centro.
Ainda segundo Bonduki, cada uma das Zeis ganhará, posteriormente, um plano de urbanização que vai mapear, por exemplo, casas em áreas de risco para fazer a remoção.
O vereador Gilberto Natalini (PV) diz que a regularização dessas áreas estimula novas ocupações ilegais e traz riscos ambientais. "Acho que o Plano Diretor, neste particular, está muito conformista: já que está, deixa ficar. Legaliza tudo e acabou."
Mario Mantovani, diretor da SOS Mata Atlântica, defende o plano por avaliar que restrições anteriores não impediram ocupações irregulares.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo