Análise estatística mostra que nem mesmo a temporada de chuvas entre dezembro e abril deve tirar o sistema de situação crítica em 2015
Por Fábio Leite
Aguardada como a solução para a crise do Sistema Cantareira, a próxima temporada de chuvas não deve livrar o principal manancial paulista do estado crítico. Análise estatística feita pelo comitê que monitora a seca nos reservatórios revela que o sistema tem apenas 25% de chance de acumular entre dezembro e abril de 2015 uma quantidade de água (546 bilhões de litros) suficiente para repor o “volume morto” usado emergencialmente e ainda devolver ao Cantareira 37% da sua capacidade antes do próximo período de estiagem.
Na última década, a única vez que o sistema iniciou a temporada sem chuvas (maio a setembro) com menos de 35% da capacidade foi justamente neste ano. No dia 1.º de maio, o nível do manancial estava em 10,5%, ou seja, três vezes e meia menor. Em 2004, por exemplo, ano da última crise do Cantareira, os reservatórios iniciaram o período com 35,5% do volume armazenado. Agora, contudo, além de a seca ser mais severa, o uso inédito de 182,5 bilhões de litros da reserva profunda das represas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) deve retardar a recuperação do sistema.
Segundo o levantamento feito pelo comitê anticrise, os cálculos mostram que a probabilidade de o Cantareira obter um saldo igual ou superior a 394 bilhões de litros entre dezembro e abril é de 50%, e sobe para 75% quando a quantidade acumulada nesses cinco meses cai para 219 bilhões de litros. Se as projeções mais pessimistas do comitê e da Sabesp se confirmarem, o “volume útil” do manancial acaba nesta semana e o “volume morto” entre outubro e novembro. Desta forma, no primeiro cenário, o sistema chegaria a maio de 2015 com cerca de 22% da capacidade normal e, no segundo, com apenas 4%.
Para o diretor do Departamento de Hidrologia da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual de Campinas, Antônio Carlos Zuffo, nos dois cenários mais prováveis, o Cantareira continuaria mergulhado na crise. “Embora 22% seja o dobro do volume de maio deste ano, ele é preocupante. Em 2014, o sistema perdeu 20 pontos porcentuais em cinco meses. Neste caso, entraria em restrição de uso. Agora, com 4%, seria uma crise muito pior que a deste ano. Apenas com 37% é que o sistema estaria parcialmente recuperado ”, diz.
Independente do cenário possível, a recuperação do Cantareira pode ficar ainda mais difícil, caso a Sabesp decida retirar mais 100 bilhões de litros do “volume morto” – ao todo, a reserva tem cerca de 400 bilhões de litros. A possibilidade já foi cogitada pela companhia, mas enfrenta resistência da Agência Nacional de Águas (ANA), um dos órgãos gestores do sistema, que quer que a empresa reserve 5% do volume já utilizado para depois de novembro.
Metodologia
A análise do comitê técnico considerou a quantidade média de água que entrou nas quatro principais represas do Cantareira, entre dezembro e abril desde 1930, e uma retirada média de 24,8 mil litros por segundo para abastecer a Grande São Paulo e a região de Campinas.
Ontem, a vazão foi de 23,2 mil litros. Para Zuffo, porém, o método usado não é o mais adequado e deixou o resultado mais otimista do que realista. “Essa análise usou dados independentes da série histórica. O correto seria avaliar a probabilidade condicionada, uma vez que a previsão hidrológica para um mês está diretamente relacionada com o mês anterior”, afirma.
Recuperação
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) informou em nota que espera que o período de chuvas que tem início em outubro deste ano “deve ajudar a normalizar os níveis dos mananciais” e que “está preparada para garantir o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo até meados de março de 2015”.
“A companhia esclarece que as medidas adotadas continuarão assegurando o fornecimento de água para a Região Metropolitana de São Paulo. Entre as ações estão a implantação do bônus para quem reduzir o consumo, utilização da reserva técnica das represas Jaguari-Jacareí e Atibainha, campanhas de conscientização e de mídia e uso de outros sistemas para abastecer bairros antes atendidos pelo Cantareira”, afirma a Sabesp.
Segundo a concessionária. as vazões máximas determinadas pelos órgãos reguladores do Cantareira, atualmente em 19,7 mil litros por segundo, “são suficientes para garantir o abastecimento” da população da Grande São Paulo, “mesmo diante da pior seca da história”.
De acordo com a estatal, “todas as medidas necessárias para manter o abastecimento de água foram apresentadas no Plano de Contingência aos órgãos reguladores, que deverão analisar e decidir os próximos passos, cabendo à Sabesp cumprir a decisão desses mesmos órgãos”. Os gestores do sistema, porém, rejeitram o plano e pediram para Sabesp reavaliá-lo.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo