A maioria dos políticos (felizmente, não todos) trabalha na lógica do poder, e não na lógica do bem-estar da população. É o que está ocorrendo no Brasil e em muitos países, provocando uma enorme crise de legitimidade da representação dos partidos políticos. O que importa é conquistar e manter o poder, que passa a ser o norteador da maioria das decisões e das ações.
O dinheiro das campanhas pode ser por dentro ou por fora (caixa 2). Não importa de onde e como vier. Os doadores são retribuídos com contratos e favores à custa do dinheiro público. Para ganhar tempo na televisão, firmam-se alianças espúrias sem questionar a afinidade ideológica ou a ética do parceiro. A conta vem na forma de benefícios aos partidos (cargos, recursos públicos etc.), feitos a despeito do interesse público.
Na lógica do poder, o objetivo dos partidos é combater e enfraquecer as legendas rivais. A análise das propostas e das políticas não passa pelo crivo do interesse público, mas por avaliar se aquela medida favorece ou prejudica o partido. Oposição e situação consideram péssimo tudo o que o adversário faz e propõe. Raramente se coloca como fator de avaliação e de decisão o interesse da população. Por exemplo, às vésperas de eleições, é comum esconder a gravidade de determinados problemas e deixar de tomar medidas preventivas, como ocorre com a crise da água em São Paulo.
As organizações da sociedade civil não conseguem mudar essa lógica, mas podem condicionar a conquista e a manutenção do poder ao comportamento ético e ao atendimento das demandas da população. Precisam acompanhar o trabalho dos gestores públicos e dos legisladores, o cumprimento das promessas eleitorais e os resultados das gestões, mobilizando a população e informando os eleitores.
Para isso, precisam ganhar credibilidade e legitimidade. Em primeiro lugar, colocar demandas que atendam ao interesse público, e não defender causas corporativas que possam ser danosas para a população. Em segundo lugar, evitar cair na lógica do poder, desvirtuando os objetivos que deram origem à organização social. O risco é começar a tomar decisões que visam em primeiro lugar fortalecer o poder da própria entidade, e não o alcance de sua missão.
Em terceiro lugar, ter uma gestão, práticas e ações coerentes com os princípios e valores que propaga. "Temos que ser o mundo que queremos", como dizia Gandhi. Em quarto lugar, acompanhar a atuação dos governos e dos legisladores e avaliar se cumpriram suas promessas eleitorais, se estão tratando com ética os recursos públicos e se estão de fato melhorando a qualidade dos serviços públicos e, consequentemente, a qualidade de vida da população. E, por último, ter uma atuação totalmente apartidária, pois, ao se vincular a um partido político, a organização perde sua autonomia, sua independência e sua legitimidade diante da sociedade e passa a atuar na mesma lógica de poder desses mesmos partidos.
As cidades e os países mudam e se transformam pela qualidade das políticas e serviços públicos. Pela sua escala, pela abrangência, são as políticas públicas de educação, saúde, habitação, mobilidade, tributos, economia etc. que provocam impactos no Brasil e em qualquer país do mundo. Cabe à sociedade trabalhar para que a conquista e a permanência no poder dos partidos políticos seja condicionada ao cumprimento das promessas eleitorais e das metas da gestão, à ética e à melhora dos indicadores sociais, econômicos e ambientais.
ODED GRAJEW, 70, é coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, presidente emérito do Instituto Ethos e idealizador do Fórum Social Mundial. Foi presidente da Fundação Abrinq e assessor especial do presidente da República (governo Lula).
Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo