Por Hélio Schwartsman
Se o descontentamento dos paulistanos com o transporte público foi importante para deflagrar os protestos de junho de 2013, então grupos revolucionários deveriam agora atiçar a população com o tema da segurança.
Um novo índice de insatisfação desenvolvido pelo Datafolha mostra que a falta de segurança para circular nas ruas da cidade é o que mais incomoda o paulistano hoje. Outros itens que causam contrariedade são as dificuldades para fazer valer direitos e a falta de lazer.
O Índice de Insatisfação com a Vida (IIV) foi inspirado em pesquisas internacionais e em achados da literatura sociológica e psicológica que sugerem que ondas de protesto têm lugar não quando as pessoas simplesmente estão infelizes com um elemento de sua realidade mas sim quando há grande descompasso entre o que esperam e o que lhes é entregue.
Esse mecanismo explica por que manifestações são mais frequentes em países que passaram por períodos de crescimento, nos quais a população tem expectativas relativamente altas que são, por algum motivo, frustradas, do que em nações muito pobres, nas quais ninguém espera nada de governantes.
Tentando capturar isso, o IIV é calculado levando em conta não só a avaliação (numa escala de zero a cem) que a população faz de um aspecto da vida, mas também a importância que lhe atribui.
Importância atribuída não é exatamente o mesmo que expectativa, mas é um substituto razoável e mais mensurável. O índice é a distância entre as duas variáveis expressa em pontos percentuais, onde zero corresponde a nenhuma insatisfação e cem a fracasso absoluto.
Para ilustrar com um caso concreto, tomemos a segurança. Os paulistanos lhe atribuíram uma importância média de 81 pontos e avaliação de 37 pontos, o que resultou nos 44 pontos do índice.
O IIV não serve, contudo, apenas para dirigir ações de grupos revolucionários.
Ele e seu irmão gêmeo, o Índice de Insatisfação com Serviços (IIS), que segue a mesma metodologia, também permitem a autoridades identificar prioridades e saber quais os pontos críticos de sua administração.
Detalhe importante: o IIS só considera pessoas que de fato usam o serviço avaliado.
Quando houver uma série histórica desses dados, será possível identificar tendências e acompanhar planos de melhoria, além de traçar comparações no tempo e em diferentes cidades e regiões.
Uma visão geral dos resultados mostra que eles estão em linha com as previsões da psicologia evolutiva. A população está mais satisfeita com os aspectos mais pessoais de suas vidas do que com aqueles que dependem do poder público e da comunidade.
Tal quadro é coerente com a noção de que as pessoas tendem a ser otimistas consigo mesmas e pessimistas com o mundo. A maioria se julga um pouco melhor e mais esperto que a média da humanidade, mas cataloga o mundo como um lugar ameaçador que piora a cada dia.
Apesar de os dados sugerirem exatamente o contrário -a humanidade está por definição mais perto da média do que dos extremos- e o planeta se tornar, na escala dos séculos, um lugar cada vez mais próspero e menos violento, estamos programados para ver as coisas com essas lentes meio distorcidas.
Isso significa que, por mais que serviços públicos e vida comunitária melhorem, o mais provável é que continuem tendo pior avaliação do que itens como família, amizades, vida sexual etc.
No que diz respeito aos serviços, o resultado do Datafolha traz algumas surpresas. Embora a Net e os bancos apareçam sempre com destaque nos rankings de queixas do Procon-SP, a qualidade da TV por assinatura e os serviços bancários são relativamente bem avaliados no IIS.
A diferença está no fato de que o Procon só registra as interações negativas. Ele tampouco pondera as avaliações pelo universo dos atendidos e não lhes atribui pesos segundo a importância que o usuário dá.
Quando tudo isso é computado, é fácil entender por que hospitais públicos e telefonia (os campeões) geram bem mais insatisfação que serviços menos essenciais como TV a cabo e seguros.
Para fazer essa pesquisa, o Datafolha entrevistou 1.101 pessoas na cidade de São Paulo entre os dias 25 e 26 de junho. A margem de erro é de três pontos percentuais.
Clique aqui e confira o infográfico produzido pela Folha com os destaques da pesquisa.
Matéria publicada originalmente no jornal Folha de S. Paulo