Por Adriana Ferraz
Nova lei estimula mercado imobiliário a lançar empreendimentos multiúso, com lojas, estacionamentos e moradia na mesma torre; intenção é adensar eixos de transporte e eliminar ‘espaços ocos’ na cidade, como garagens vazias durante o dia ou à noite
Esqueça os atuais padrões seguidos pelo mercado em projetos residenciais. Se as regras definidas pelo novo Plano Diretor saírem do papel, São Paulo vai ganhar prédios multiúso, com lojas, estacionamentos e moradia em uma mesma torre. O “conceito 3 em 1” valerá para o entorno de estações de metrô e corredores de ônibus, onde a administração quer intensificar o adensamento populacional.
Com as novas diretrizes, o empreendedor terá incentivos financeiros para “fatiar” o projeto em três e alterar, assim, a divisão clássica prevista em quase todos os condomínios lançados nas últimas três décadas. Com a instalação do comércio no térreo, por exemplo, as opções de lazer, como playgrounds e salões de festas, terão de ser distribuídas pelos demais pavimentos, valorizando o primeiro andar residencial, que será mais alto, e dando novo uso às coberturas.
O topo dos prédios poderá ser ocupado por academias e piscinas, como já acontece em alguns hotéis. O aproveitamento do subsolo se dará de forma completamente independente. Com o fim da obrigatoriedade de o construtor oferecer ao menos uma garagem por imóvel, as vagas poderão ser comercializadas sob outro parâmetro, a fim de reduzir os chamados “espaços ocos” da cidade.
Relator do projeto de lei que criou o Plano Diretor, o vereador Nabil Bonduki (PT) explica que o termo é usado para caracterizar áreas construídas mal aproveitadas. “Hoje, temos garagens residenciais vazias durante o dia e cheias à noite. O inverso acontece nas garagens comerciais. Esse é o ‘espaço oco’ da cidade, porque é usado só em uma parte do dia. Mas uma garagem rotativa pode ser usada 24 horas”, explica.
Para ser viabilizada, no entanto, Bonduki afirma que caberá ao prefeito Fernando Haddad (PT) fazer a regulamentação dos edifícios-garagem. Ela é que vai dizer, por exemplo, se os moradores terão prioridade no acesso às vagas e o limite previsto para cada prédio.
Antes disso, Haddad precisa sancionar a lei aprovada no mês passado por 44 dos 55 vereadores. A expectativa é de que isso ocorra nos próximos dias. Com a lei em vigor, a Prefeitura espera que o mercado imobiliário proponha projetos de caráter misto, a fim de reduzir os deslocamentos na cidade e elevar a qualidade de vida da população.
Perfil. Em Pinheiros, na zona oeste, o quarteirão da Rua Fradique Coutinho, entre as Ruas Teodoro Sampaio e Cardeal Arcoverde, exemplifica o conceito multiúso defendido pelo governo. Tomada de prédios residenciais em ambos os lados, a quadra tem todo tipo de comércio e serviços no térreo, e com direito a estacionamento rotativo.
Mercados, restaurantes, lojas de roupas e sapatos, livraria e até banco podem ser acessados pelos moradores a pé.
A maioria das torres foi construída nas décadas de 1960 e 1970, o que mostra que o conceito defendido pelo Plano Diretor aprovado há 13 dias não é novo. Quando o Edifício Kennedy, por exemplo, foi construído, em 1968, outras torres residenciais erguidas na região e em bairros como Higienópolis, República e Santa Cecília já seguiam o mesmo conceito.
Hoje, passados 46 anos, o edifício ainda exerce sua função multiúso, com uma loja e uma agência dos Correios no térreo e um estacionamento, no subsolo. “Meu pai era muito progressista. Foi ele quem construiu o prédio, para a família. Desde o início, os vários usos já foram pensados de forma independente e dá supercerto até hoje”, diz o advogado Rubens Tofik.
A torre tem 23 apartamentos e cada um deles tem direito a uma garagem privada. Quem precisa de vaga extra pode buscar no próprio subsolo, onde o estacionamento comercial funciona normalmente até as 20 horas, sem qualquer relação com o prédio. As facilidades oferecidas são bem avaliadas por moradores antigos e novos, de acordo com Tofik, que diz não enfrentar dificuldades para alugar unidades vagas.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo