Sabesp deve começar retirada do volume morto da Represa Atibainha, mas já se projeta que essa reserva só dure até outubro.
Por Fabio Leite e Rodrigo Bugarelli
Na pior seca dos últimos 84 anos, o Sistema Cantareira registrou pela primeira vez na história 15 meses consecutivos de déficit. Levantamento feito pelo Estado com base em dados oficiais revela que, desde maio de 2013, o maior manancial paulista perde mais água do que recebe. O prejuízo chegou a 647,4 bilhões de litros ao fim do mês passado, o equivalente a 66% da capacidade útil ou mais de 4 meses de consumo de toda a Grande São Paulo.
No período, o volume de água retirado das represas para abastecer cerca de 14 milhões de pessoas na Grande São Paulo e na região de Campinas foi mais do que o dobro do que entrou no sistema. Setembro de 2013, quando se fecha normalmente o período de estiagem iniciado em abril, foi o mês com o maior saldo negativo: 69,2 bilhões de litros a menos. À época, o Cantareira estava com mais de 40% da capacidade.
Banco de águas
Tamanho déficit ocorreu porque antes da crise do Cantareira ter sido decretada, no fim de janeiro, a retirada de água dos reservatórios chegou a superar em mais de 6% a vazão máxima estabelecida na outorga de 2004. Isso só foi possível por causa da regra do banco de águas, uma espécie de estoque virtual que permite à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e às cidades da Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) captarem a mais a parcela não utilizada de suas cotas no mês anterior.
Para o engenheiro e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, José Roberto Kachel, os dados mostram que desde 2012 o Cantareira já dava sinais de que passava por estiagem. "As afluências médias de 2012 e 2013 foram bem próximas das de 1953 e 1954, que eram a pior da história até então. Se tivessem se atentado a isso e reduzido a captação do Cantareira, não estaríamos utilizando o volume morto hoje", afirma.
"Realmente tivemos dois anos seguidos muito secos, que fizeram com que os reservatórios baixassem. O que não estava previsto é que meses como novembro, dezembro, janeiro e fevereiro, que são chuvosos, fossem tão secos", explica o professor de Engenharia Hidráulica da Universidade de São Paulo (USP), Rubem La Laina Porto, que exprime a mesma posição defendida pela Sabesp e pela Bacia dos Rios PCJ, que partilham a água do Cantareira.
"A retirada de água ocorreu conforme o contexto do período e dentro das regras do sistema. Jamais alguém poderia imaginar essa estiagem tão forte. Quando vislumbramos esse cenário, em dezembro, nós já iniciamos as medidas de contingência", disse o coordenador de projetos do Consórcio PCJ, José Cezar Saad.
Foi entre dezembro e janeiro que a Sabesp iniciou na Grande São Paulo a reversão de água dos Sistemas Alto Tietê e Guarapiranga para bairros da capital paulista que eram abastecidos pelo Cantareira. Em fevereiro, foi lançado o programa de desconto na conta para quem economizar água, seguido da redução da pressão noturna na rede de distribuição, revelada pelo Estado em abril. Em maio, a companhia divulgou que as ações haviam garantido uma redução de 27% no volume retirado do manancial e evitado um rodízio de 36 horas com água e 72 horas sem.
Volume morto
Além das queixas de falta d’água, as medidas não impediram que o nível do manancial continuasse caindo. Em junho, o volume útil do Cantareira zerou pela primeira vez na história e a Sabesp começou a inédita retirada de 104 bilhões de litros do volume morto das represas Jaguari-Jacareí, na região de Bragança Paulista. Até este domingo, 3, 66,7% já haviam sido sugados. Ainda neste mês, a empresa deve iniciar a captação de 78 bilhões de litros da reserva profunda da Represa Atibainha, em Nazaré Paulista.
Com a estiagem ainda mais aguda, o déficit voltou a subir em julho, quando o volume de água retirado do sistema foi 446% maior do que o que entrou, resultando em uma perda de 50 bilhões de litros. As projeções apontam que a primeira cota do volume morto do Cantareira deve acabar em outubro. A Sabesp já pediu autorização aos órgãos gestores do manancial para retirar 116 bilhões de litros adicionais da reserva.
Limitar captação à chuva
A Sabesp trava com os órgãos gestores do Cantareira, tendo a Agência Nacional de Águas (ANA) à frente, uma difícil negociação sobre a quantidade de água que poderá ser retirada do manancial nos próximos meses. Enquanto a agência federal defende uma liberação de água proporcional ao volume que entra nos reservatórios, a estatal paulista quer manter a vazão atual de 19,7 mil litros por segundo para não ser obrigada a decretar racionamento na Grande São Paulo. E ainda quer usar uma segunda cota do volume morto.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo