Projeto piloto de recuperação de córrego será replicado por escolas associadas à Unesco em São Paulo
Por Cinthia Rodrigues
A estudante Giovanna Maria Moscato cresceu vendo a “água preta” e reclamando do mau cheiro do Córrego Caboré, que sempre cruzou seu caminho de casa para a escola, no Morumbi, em São Paulo. A paisagem continua a mesma, mas algo passou a chamar mais sua atenção do que o fedor. “Penso na história que levou àquela sujeira, na nossa proposta entregue para as autoridades e fico esperançosa”, conta. A mudança ocorreu após sua participação no projeto piloto Água É Vida, feito pelo Colégio Guilherme Dumont Villares, que este ano será estendido a 40 escolas associadas à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
A intenção é exatamente criar nos estudantes de cada unidade uma identidade com o córrego mais próximo, mostrar como ele participa na manutenção dos principais afluentes e no abastecimento da cidade e incentivar a participação na criação de políticas públicas de recuperação dos riachos. Em livro com o mesmo título do projeto, publicado para ajudar as instituições que replicarão a proposta, o ribeirão é tema de poesias, inspiração para ilustrações, anfitrião em visitas às nascentes e protagonista em pesquisas históricas e legislativas. “O nosso Riacho Caboré não é um gigante, mas é mais importante, pois é o nosso Riacho Caboré”, diz verso de aluna na abertura da obra.
Apesar de tratar-se de um atividade extraclasse, cerca de 300 alunos foram envolvidos desde o 8º ano do Ensino Fundamental até o último do Ensino Médio no Dumont Villares. “Hoje fico muito feliz de ter participado. Tenho orgulho do que produzimos e sei que vou lembrar e fazer o que estiver ao meu alcance pelo Caboré daqui para a frente”, afirma Giovanna, que agora está no 2º ano. Ela e os colegas que faziam o 1º ano em 2013 ficaram responsáveis pela pesquisa histórica sobre o desenvolvimento do bairro, que levou à degradação do córrego. “Começamos tentando pela internet, mas não tinha nada. Então buscamos pesquisadores que vieram à escola e fizemos entrevistas com moradores antigos”, conta.
Outras turmas ficaram responsáveis pelo registro fotográfico das visitas à nascente, pelos exames periódicos da qualidade da água, por investigar a vida nativa que ainda resiste, nomear plantas, frutos e animais, produzir um vídeo sobre o riacho e por levantar projetos e legislação em curso. No caso, havia um plano de revitalização que foi analisado e aprimorado com sugestões a partir do levantamento dos estudantes. Ao final, a escola elaborou uma proposta de recuperação que inclui a revitalização dos arredores, campanhas de conscientização e limpeza em pontos específicos.
A diretora pedagógica Ângela Fonseca explica que o projeto nasceu quando 2013 foi anunciado como Ano Internacional da Cooperação pela Água. Como escola associada à Unesco, o colégio sempre trabalha a sugestão do órgão internacional. “Já tínhamos em curso programas anteriores que envolvem vida, meio ambiente e cidadania. Também já havíamos feito análises do córrego e sabíamos da má qualidade. Por isso pensamos em algo com o objetivo da revitalização”, conta.
Ao visualizar as várias áreas de atuação, a escola propôs à Unesco o trabalho como piloto e registrou em detalhes cada fase. Um “diário de bordo” foi construído pelas diversas turmas, para que fosse possível analisar como as informações foram acumuladas. Passos essenciais foram transformados em formulários que as demais escolas passarão a preencher. “As ações que deveriam ser feitas foram estabelecidas pelos alunos em fóruns de discussão. Eles mesmos entenderam que era preciso conhecer a legislação, que as informações encontradas na internet eram insuficientes e quais órgãos precisariam visitar”, lembra a diretora pedagógica.
Em junho, professores das escolas que adotaram a proposta começaram a fazer formação no Colégio Guilherme Dumont Villares. Além de educadores, alunos foram escalados para falar e, ao mesmo tempo, para serem exemplos vivos dos resultados. “Entregamos os documentos e seguimos acompanhando, mas o maior ganho foi a mudança de cultura dos alunos. Eles passaram a ter o córrego para eles. Não como uma árvore que se planta e se dá as costas. Tudo que veem sobre águas hoje remetem ao Caboré e tentam reverter para a sua recuperação”, explica Ângela, que continua frequentando órgãos públicos em reuniões que dão continuidade aos documentos entregues.
Em 2014, com o abastecimento de água à Grande São Paulo ameaçado por causa do baixo nível do reservatório da Cantareira, o projeto ganhou impulso. A diretora-geral do colégio e coordenadora-regional do Programa Escolas Associadas da Unesco, Eliana Aun, calcula que a atividade possa de fato impactar na qualidade da água na cidade. “Todos os anos temos propostas alinhadas ao tema do ano, mas o fato de termos feito este como protótipo aumentou o envolvimento. Com a preocupação em fazer algo que servisse a outras escolas, acabamos ganhando mais atenção de alunos e professores, mais emoção.”
No colégio, o programa terminou oficialmente com uma cerimônia em que foi feita a entrega de documentos a representantes das secretarias municipal e estadual de Meio Ambiente, à subprefeitura do Butantã e à Sabesp. “Na prática mesmo, não acabou. Continuamos pesquisando e pressionando por mudanças, até mesmo o Diário de Bordo segue sendo preenchido e alunos que se formaram mantêm contato com dados encontrados sobre o tema”, diz Ângela. O livro, fotos e vídeos estão disponíveis também a outras instituições interessadas em desenvolver o programa com um córrego próximo à sua escola.
Matéria originalmente publicada no portal da CartaCapital