Por causa da seca, déficit no manancial que abastece, em SP, RJ e MG, 15 milhões de pessoas é de 171 bilhões de litros a cada 30 dias.
Por Fabio Leite
Alvo de uma disputa acirrada por água, a Bacia do Rio Paraíba do Sul, que abastece cerca de 15 milhões de pessoas em São Paulo, Rio e Minas Gerais, vive em 2014 uma das piores secas de sua história. O déficit diário no volume de armazenamento dos quatro reservatórios do sistema, que chega a superar os 10 bilhões de litros, já consumiu 1,37 trilhão de litros desde janeiro. É como se, a cada mês, uma Represa do Guarapiranga cheia (171 bilhões de litros) desaparecesse do Paraíba do Sul.
Como a estiagem deve perdurar ao menos até meados do próximo mês, a Bacia do Paraíba do Sul deve continuar liberando mais água do que recebendo para as cidades do Vale do Paraíba, em São Paulo, e para a Região Metropolitana do Rio. Isso deixará os mananciais em setembro com um déficit equivalente a um Sistema Cantareira e meio (1,47 trilhão de litros) e o nível de armazenamento abaixo dos 20% da capacidade. Em janeiro, o índice era de 51%. Apenas em outubro começa o período chuvoso.
A situação mais crítica é a da Represa Paraibuna, que fica na região de São José dos Campos, nordeste paulista. Maior de todos os reservatórios do sistema, com capacidade para 2,64 trilhões de litros, ela opera hoje abaixo de 12% da capacidade. Na sequência aparece a vizinha Santa Branca, cujo nível de armazenamento atingiu a marca de 28%, índice semelhante ao do reservatório Funil, na região de Itatiaia, interior do Rio.
“A situação é dantesca e piora a cada dia. Em Redenção (da Serra) e Natividade da Serra, que são cidades lindeiras e dependem da Represa Paraibuna tanto para abastecimento como economicamente, temos registro de problemas sanitários, com surto de diarreia”, afirma a vereadora Renata Paiva (DEM), de São José dos Campos, uma das líderes do Movimento pela Defesa do Paraíba do Sul.
Disputa
Das quatro represas da bacia, a Jaguari, que fica entre as cidades de Igaratá, Santa Isabel e Jacareí, é a que está com maior nível de armazenamento, cerca de 37%.
Ela é a protagonista dos dois capítulos sobre a “guerra” da água entre os governos paulista e fluminense: a redução na vazão do Rio Jaguari para o Rio Paraíba do Sul feita pela Companhia Energética de São Paulo (Cesp); e o projeto de transposição de água para o Sistema Cantareira.
No primeiro caso, a crise estourou em março, quando o governo de São Paulo anunciou a construção de um canal de 15 quilômetros para transferir 5 mil litros por segundo da Represa Jaguari, em Igaratá, para a Represa Atibainha, em Nazaré Paulista. Segundo o governador Geraldo Alckmin (PSDB), o projeto beneficia as duas regiões porque a água pode ser remanejada nos dois sentidos, dando “maior segurança hídrica” às duas regiões.
A ideia é de que a obra, orçada em R$ 500 milhões, esteja concluída até o início de 2016 para ajudar na recuperação do Sistema Cantareira, que atravessa a pior crise de estiagem em 84 anos e, desde julho, opera exclusivamente com água do chamado volume morto, reserva profunda dos reservatórios. O plano foi duramente criticado pelo governo do Rio e por prefeituras do Vale do Paraíba, que temem impacto da medida no volume de água disponível no Rio Paraíba do Sul para abastecimento dos municípios.
O Ministério Público Federal (MPF) no Rio moveu uma ação na Justiça contra a transposição e recebeu apoio do governo Luiz Fernando Pezão (PMDB). “Somos muito sensíveis ao problema de São Paulo, desde que não afete o abastecimento do Rio, de Minas e do próprio Vale do Paraíba”, resumiu Danilo Vieira Júnior, presidente do Comitê de Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul e secretário do Meio Ambiente de Minas.
O projeto de transposição está relacionado ao segundo episódio da guerra da água. No início do mês, a Cesp passou a liberar na sua usina no Rio Jaguari para o Rio Paraíba do Sul apenas um terço do volume de água determinado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para preservar a represa que pode socorrer o Cantareira. Nova troca de farpas entre São Paulo, Rio e órgãos federais se sucedeu.
O governo paulista argumentou que era preciso dar prioridade ao abastecimento humano e reduzir a água destinada para geração de energia e diluição de esgoto no Rio. O outro lado disse que a medida provocaria um colapso no abastecimento de água de 71 cidades. No início desta semana, chegou-se a um acordo no qual a Represa Jaguari vai liberar mais água e a Paraibuna menos, além de uma redução no volume destinado ao Rio.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo