Ferramentas colocam Brasil na vanguarda da cidadania online

Aplicativos e sites possibilitam desde a resolução de problemas locais até o engajamento em questões nacionais.

Por Murilo Roncolato

Os jovens Daniel Graf e Renata Cabrini precisavam correr para atravessar as duas vias de uma avenida da zona oeste de São Paulo porque o tempo do semáforo de pedestres era muito curto. Os dois resolveram então comunicar o problema em um site de petições e intimar o poder público a resolvê-lo. Bastaram 700 assinaturas. O tempo do sinal foi alterado e ninguém mais precisa depender da sorte para terminar a travessia.

Já Rose de Paula, moradora da zona sul paulistana, precisou de quase 6 mil apoiadores na plataforma Change.org para impedir que as lições de música de sua filha de 8 anos fossem interrompidas, pois a sala onde ela tinha aulas daria lugar a um centro de formação profissional.

“Meu bairro é pobre. Nunca houve projeto cultural nenhum aqui. Agora que minha filha tem acesso, querem instalar isso dizendo que formar gente para serviço de telemarketing é prioritário? Não concordo”, diz Rose. “Ser mais uma peça na máquina ou aprender arte? Se eu não posso dizer que tipo de formação é mais importante, eles podem?”

Ferramentas de petição e de denúncia, voltadas para a cobrança de autoridades ou para a discussão de problemas da cidade têm se proliferado pela internet, principalmente no Brasil, onde seu uso como instrumento para resolução de problemas ou engajamento em prol de campanhas vem aumentando.

No Brasil, o número de usuários do site de petições Avaaz, que se destacou na campanha em favor da Lei Ficha Limpa com a coleta de 2 milhões de assinaturas em 2010, saltou de 1,7 milhão para 7,4 milhões (crescimento de 335%) entre 2012 e 2014. Hoje, o País representa 20% de toda a plataforma. Já o Vote na Web, que “traduz” projetos de lei em tramitação no Congresso aos usuários – que podem então votar a favor ou contra e emitir sua opinião – viu o número de usuários saltar de 13 mil em 2010 (um ano após ter sido criado) para 32 mil em 2012 (aumento de 146%) e 140 mil em 2014 (alta de 337% em relação a 2012).

Laboratório

O advogado Ronaldo Lemos, um dos idealizadores do Marco Civil da Internet, e hoje à frente do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), estreou na última semana uma espécie de catálogo colaborativo (conhecido como “wiki”) de todas as ferramentas do que chama de “democracia participativa”, “inovação cívica e novas tecnologias”, intitulado Civviki (itsrio.org/civviki).

Lemos, que vê um “déficit de representatividade” no País, espera que gestores públicos, acadêmicos e cidadãos tomem conhecimento das diversas iniciativas e estudem formas de desenvolvê-las. A equipe responsável pelo projeto deve ainda traduzir a página para inglês e incluir projetos internacionais. “O objetivo se baseia na ideia de que o Brasil vai ser o laboratório do mundo nas ferramentas de participação digital, assim como foi com o Orçamento Participativo”, diz. “Isso já está se confirmando.”

Miguel Lemos, cofundador da ONG Meu Rio, de 2011, que em julho expandiu a plataforma online para outros locais e mudou o nome para “Minhas Cidades”, crê que “há uma onda de empreendedorismo social no País”. Para ele, isso se deve à existência de uma geração empreendedora e de um ambiente favorável.

Para o advogado Ronaldo Lemos, a internet é a oportunidade para “ajudar governos” a criarem formas de “transparência e diálogo” com a sociedade. “Essas ferramentas não competem com a democracia, nem poderiam”, explica. “A ideia é tornar a democracia mais amigável para esse mundo mais conectado, mesclando a política tradicional com ferramentas online. Um dia elas serão indissociáveis.”

Do lado do cidadão, as ferramentas têm atuado como instrumentos de pressão, debate, propulsores de alcance – pela exposição que ganham nas redes sociais –, criando assim conexões entre cidadãos em torno de temas em comum. “Sem elas”, diz o designer Daniel Graf “minha reclamação do semáforo poderia ter caído no esquecimento”.

Resposta

Em São Paulo, a plataforma Cidade Democrática já conseguiu reunir moradores da Pompeia pela internet para coletar ideias de melhoria para o bairro. Do debate online, partiu-se para encontros presenciais, e dali para o endereçamento das demandas às autoridades.

“A gente não quer pegar esse político desprevenido, mas sim que ele retome esse vínculo virtuoso de representação a partir do momento que a comunidade que ele representa diz o que quer e dentro dos recursos de que dispõe, ofereça uma solução”, diz o fundador Rodrigo Bandeira de Luna. Para ele, essa ponte se faz necessária pois o poder público “ainda não tem as ferramentas para ler isso tudo”.

Na opinião do pesquisador de participação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Roberto Rocha Pires, o futuro das ferramentas está na possibilidade de se poder observar o trajeto dos pleitos até o seu resultado. “É preciso dar continuidade às relações entre cidadãos e políticos nos períodos entre eleições, entre conferências, etc”, acredita. “É um caminho que tende a se fortalecer e as diferentes ferramentas estão se aperfeiçoando para dar conta disso.”

Para Pedro Abramovay, ex-diretor de campanhas do Avaaz e atual diretor regional da Open Society Foundations, “os resultados das ferramentas estão ganhando força política”. “O que temos que aprimorar agora são as formas de resposta do Congresso. O que ele devia ter percebido no ano passado (referindo-se aos protestos de junho) é que quando ele não responde e se distancia da sociedade, vira o alvo.”

Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo

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