Por André Monteiro e Vanessa Correa
Os órgãos de defesa do patrimônio histórico terão que avaliar a implantação de uma ciclovia no canteiro central da av. Paulista, na região central de São Paulo, apesar de a gestão Fernando Haddad (PT) planejar que a estrutura fique pronta até o fim do ano.
A análise é necessária porque a via é considerada área envoltória de prédios tombados, como o Masp e o Conjunto Nacional. Além disso, a ciclovia vai exigir intervenções como a remoção de plantas, relógios e postes.
O projeto da prefeitura é alargar o espaço do canteiro para 4 m (hoje são 3,5 m) para criar uma faixa de bicicletas de dois sentidos. Para isso, as faixas de tráfego motorizado serão estreitadas –são quatro de cada lado.
Nesta terça (2), o Conpresp (conselho do patrimônio municipal) informou inicialmente que, por se tratar de uma obra, precisaria de sua aprovação. Depois, disse que precisa analisar o projeto detalhado para decidir se sua anuência é necessária.
Segundo o órgão, ciclovias mais simples, que envolvem apenas pintura do solo e placas de sinalização, não precisam de aprovação mesmo perto de bens tombados. Um exemplo é a ciclovia em frente ao Theatro Municipal.
O Condephaat (conselho estadual) e o Iphan (federal), que também tombaram prédios da Paulista, informaram que a aprovação será necessária. Nenhum pedido formal de aprovação foi apresentado nos três órgãos –os processos podem levar meses.
Ajuste
Haddad, que conheceu o projeto da ciclovia ontem, disse que o canteiro "não é usado hoje". Afirmou avaliar não ser necessária aprovação para a ciclovia.
"Não tem tombamento do canteiro. O que tem tombamento é área envoltória, mas acho que é um ajuste viário, não obra propriamente".
O secretário Jilmar Tatto (Transportes) disse compartilhar da avaliação, mas que submeterá o projeto aos conselhos se for necessário. "Se tiver [que aprovar], a gente pede. Imagino que o Conpresp não vai ser contra."
Segundo Haddad, assim que a obra for iniciada o prazo de implantação é de 90 dias. "Dentro de uma normalidade, é possível fazer até o fim do ano. Não é uma obra complexa", disse Tatto.
O secretário disse que será necessário fazer um plano de trânsito no período de obras e os trabalhos serão feitos preferencialmente na madrugada.
A ciclovia será elevada em relação às faixas de tráfego e terá grades de proteção perto de semáforos, segundo Tatto, para aumentar a proteção dos ciclistas na saída junto com os carros.
A obra também será aproveitada para a passagem de cabos de fibra ótica pela avenida –usados para transferência de dados por empresas e para controlar semáforos, por exemplo. Hoje, o recurso existe apenas na alameda Santos, segundo o secretário.
A ciclovia da Paulista vai se conectar à da rua Vergueiro, passando pelo viaduto Paraíso ou pela avenida Bernardino de Campos –o trajeto está em avaliação. Na outra ponta, ela cruzará a rua da Consolação e seguirá pelo bairro até o Pacaembu.
Bulevar
Antonio Carlos Franchini, presidente da Associação Paulista Viva, disse que o projeto da ciclovia na avenida deveria ser mais discutido e o impacto da estrutura avaliado para pedestres, motoristas, motociclistas e usuários do transporte.
"Somos a favor de todas as iniciativas para melhorar a mobilidade urbana, a implantação de ciclovias é um avanço de cidadania. Mas os impactos devem ser discutidos por toda a sociedade", diz.
Ele avalia que a travessia de pedestres poderá ficar mais difícil sem o canteiro, usado como abrigo por quem não consegue cruzar a Paulista de uma vez. "Você precisa andar muito rápido para andar de um lado ao outro. São 400 mil pessoas, aproximadamente, que circulam pela Paulista todo dia."
Também considera que, com o estreitamente das faixas de tráfego, haverá impacto para a circulação de motos.
Franchini diz ainda que deveriam ser avaliadas alternativas como implantar a ciclovia à direita, onde hoje existe a faixa de ônibus, ou então usar vias paralelas à Paulista.
"Eu diria, sem ser urbanista, que [a ciclovia] descaracteriza um pouco toda aquela ideia de bulevar da Paulista, a grande avenida, com iluminação central. Quebra um pouco a visão de olhar uma ponta à outra", diz.
Atrativos na Calçada
"Vai haver ciclistas fora da ciclovia, para poder acessar mais facilmente o comércio", opina Ricardo Corrêa, da TCUrbes, empresa que projeta ciclovias em todo o Brasil.
Em países como Alemanha e Holanda, já houve ciclovias no canteiro central, mas, com a evolução do sistema, elas foram eliminadas, diz Corrêa.
"O ideal é pegar a faixa da direita para a bicicleta e deslocar os ônibus para o centro", diz Gabriel di Piero, diretor da Ciclocidade (associação de ciclistas urbanos de SP).
Para o engenheiro de transportes Sergio Ejzenberg, primeiro os ônibus deveriam ser colocados no centro da via, em corredores. Só depois o espaço da bicicleta deveria ser pensado.
A gestão Haddad optou pela implantação da ciclovia no canteiro central por ser o modo mais rápido, de acordo com interlocutores do prefeito, que aposta nas bicicletas como nova marca de governo.
Haddad promete construir 400 km de ciclovias até o fim de 2015. Desde junho, quando divulgou a ampliação da meta, foram criados 44,9 km de ciclovias na cidade.
Para ciclovia ser feita junto à calçada, no bordo direito da pista, seria preciso desativar a faixa exclusiva de ônibus existente e construir o corredor à esquerda, o que depende de processo de licitação, normalmente demorado.
As obras das ciclovias estão sendo feitas na modalidade de pregão, mais rápidas.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo