Por Vanessa Correa
Depois de buscar o sonho bucólico da casa com quintal e a segurança dos condomínios fechados, os paulistanos (e seus vizinhos) estão fazendo o caminho inverso, especialmente os jovens adultos em começo de carreira que se cansaram do trânsito e desejam viver a cidade.
Agora o que se vê é um novo movimento em direção aos bairros mais urbanizados da cidade, no centro expandido ou próximo a ele.
Enquanto, nos anos 1990, 38 dos distritos mais centrais perderam 11% de sua população, nos anos 2000 a tendência se inverteu. Os mesmos distritos receberam 8,7% novos moradores.
"Há uma revalorização da experiência de viver a cidade, especialmente entre os jovens. Começa a se formar uma cultura anticarro e a favor da bicicleta, que valoriza o espaço público", diz Anderson Kazuo Nakano, autor do novo estudo, que faz parte de sua tese de doutorado.
Essa mudança de comportamento é tendência mundial. Nos EUA, o fenômeno foi esmiuçado e pelo livro "The Great Inversion", de 2012.
Embora o autor do texto admita que, em números absolutos, ainda há mais pessoas chegando aos bairro periféricos dos EUA, os novos moradores são em geral imigrantes. Entre as classes médias e altas, a tendência, também mais forte nos adultos jovens, já se inverteu.
Por aqui, a troca de população se dá de forma semelhante. Com o preço dos imóveis no centro expandido paulistano perto do céu, quem se muda para essas áreas próximas dos empregos, cheias de infraestrutura, precisa ter renda compatível.
O estudo conduzido por Nakano, com base em dados dos censos do IBGE, mostra que, nos distritos mais centrais, o número de domicílios com renda média (de 6 a 10 salários mínimos) cresceu 25,4%. Os de renda entre 10 e 20 salários aumentaram 6%.
Por outro lado, na periferia, houve queda de 21,3% e 41,2% nesses segmentos, respectivamente.
Centro enriquece e rejuvenesce; na periferia, o oposto
Há ainda um outro tipo de substituição de população em curso. No centro expandido, o número de adultos em começo de carreira (24 a 39 anos) cresceu 17% na década de 2000. Mais do que na periferia (14%) e do que na cidade de São Paulo como um todo (12%).
Já na periferia, o aumento mais acelerado é dos grupos de pessoas de meia idade (40 a 64 anos) e de idosos (mais de 65 anos), que cresceram, respectivamente, 37% e 62%. Nos distritos do centro expandido e adjacências, o crescimento desses dois grupos ficou em torno de 20%.
Para efeito de comparação, a cidade como um todo cresceu, no mesmo período, 7,8%.
Felipe Moraes, 30, fez o movimento em direção ao centro. Em 1996, quando ele tinha 11 anos, seu pai decidiu construir uma casa no condomínio Alphaville, em Barueri, na Grande São Paulo. "O motivo foi a segurança. Morávamos no Campo Belo [zona sul, fora do centro expandido] e eu já tinha sido assaltado na rua".
Dez anos depois, em 2009, Felipe voltou, dessa vez para Pinheiros (zona oeste), para cursar a faculdade de Biomedicina. "Em São Paulo se faz tudo a pé. Quando me formei, até abandonei o carro. Ia pro trabalho de bicicleta".
Mas não só os mais jovens voltam. Ao se casar, o vendedor Sílvio de Santos, 50, saiu da Vila Madalena para o mais distante Jardim Esther, onde conseguiu bancar um imóvel maior. Isso foi há 6 anos.
Há um ano e meio Sílvio se mudou de volta para perto do centro, em Pinheiros, para uma quitinete. "Não há amor que resista aos congestionamentos da Raposo Tavares. Agora tenho uma vida cultural intensa, moro perto de onde as coisas acontecem".
"Em um certo momento, o que alimentou essa saída foi a ideia de que a cidade é um lugar sujo, violento. As classes médias e altas buscaram sossego em condomínio afastados", diz o arquiteto e crítico Guilherme Wisnik.
Na última década, diz Wisnik, "muitos já perceberam que a vida urbana é mais interessante, mais variada. Perto do metrô, da vida cultural e de lugares que podem frequentar à pé".
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo