Recuperar 3% da mata nativa reduziria pela metade assoreamento nos Sistemas Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga e Rio Grande.
Por Fabio Leite
A recuperação e a conservação de apenas 3% das áreas dos quatro principais mananciais que abastecem a Grande São Paulo reduziriam pela metade o assoreamento dos córregos e rios que alimentam as represas, garantindo mais água e melhor qualidade em tempos de escassez hídrica.
A constatação é de um estudo feito por uma organização ambiental internacional, em meio a polêmicos projetos de transposição e disputas com outros Estados por litro remanescente nos reservatórios que atravessam grave crise de estiagem.
Segundo levantamento feito pela The Nature Conservancy (A Conservação da Natureza, em tradução literal), o reflorestamento de 14,3 mil dos 493,4 mil hectares que formam os Sistemas Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga e Rio Grande diminuiria em 568,9 mil toneladas o aporte de sedimentos despejados nos corpos d’água que alimentam os reservatórios. Juntos, os quatro mananciais representam 98% da capacidade de armazenamento de água para abastecer cerca de 25 milhões de pessoas na Grande São Paulo e na região de Campinas.
“A sedimentação tem impacto direto na quantidade e na qualidade da água dos mananciais. Isso ocorre quando não há cobertura vegetal ao redor dos rios e represas. O solo exposto, além de sofrer erosão e não absorver a água da chuva, provoca o escoamento de terra para corpos d’água, assoreando o leito e diminuindo a vida útil dos reservatórios”, explica Samuel Barrêto, coordenador do Movimento Água para São Paulo, criado pela organização ambiental.
Segundo ele, a recuperação dessas áreas, que envolveria, entre outras ações, o pagamento por serviços ambientais a proprietários rurais que possuem nascentes em suas terras, custaria cerca de R$ 200 milhões em dez anos. “É o que chamamos de investimento em infraestrutura verde. São intervenções que não trazem resultados a curto prazo, mas precisam começar agora para dar resultado lá na frente, antes da próxima crise. Em cinco anos, já teríamos um ganho com maior produção e armazenamento de água e menor custo com tratamento e dragagem, em vez de ficar sempre apagando incêndio como fazemos hoje”, afirma Barrêto.
O custo do projeto corresponde a 40% do valor previsto para a obra de transposição de água da Bacia do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira, anunciada em março pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Orçado em R$ 500 milhões, o projeto visa a socorrer o maior manancial paulista a partir de 2016. A ideia, contudo, iniciou uma guerra pela água com o governo do Rio e cidades do Vale do Paraíba, que são abastecidas pelo rio.
Perda
Dados do movimento indicam que as regiões dos mananciais já perderam 70% da sua mata nativa. A ONG utilizou uma ferramenta que detecta as diferentes formas de uso da terra nas áreas de proteção ambiental e calcula seus impactos no processo de erosão do solo e sedimentação dos rios para indicar as áreas mais críticas que deveriam receber o investimento. Segundo o estudo, 95% da área escolhida no Cantareira, na região de Bragança Paulista, Joanópolis, Atibaia e Nazaré Paulista, é usada para pastagens. Já nos mananciais Alto Tietê, Guarapiranga e Rio Grande, que ficam na Grande São Paulo, 50% das terras são usadas como pasto e 40% para a agricultura.
A ideia da ONG é replicar em São Paulo o modelo que tem dado resultado na cidade de Extrema, no sul de Minas (mais informações ao lado).
Segundo Devanir Garcia dos Santos, gerente de uso sustentável da água e do solo da Agências Nacional de Águas (ANA), se práticas como essas já tivessem sido adotadas em São Paulo, o impacto da seca seria menor. “Essa crise envolve uma série de fatores, como as mudanças climáticas. Mas, se isso já existisse ao longo das bacias, certamente estaríamos sentindo menos essa redução das chuvas porque teríamos uma poupança maior de água no solo.”
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo