Até agosto, 17.836 crianças conseguiram vagas na Justiça, número 47,7% maior do que todos os encaminhamentos feitos em 2013.
Por VICTOR VIEIRA – O ESTADO DE S. PAULO
Até o fim de agosto, 17.836 crianças conseguiram na Justiça uma vaga em creche ou pré-escola na cidade de São Paulo este ano. O número já é 47,7% maior do que todos os encaminhamentos por ordem judicial feitos para turmas no ano passado – 12.071. Os dados preocupam a Prefeitura e os movimentos sociais, que temem que os processos aumentem a “fila paralela” na educação infantil.
Em relação a 2011, a soma de matrículas na educação infantil por sentença cresceu 365%. Do total deste ano, 11.472 crianças foram encaminhadas a creches, de zero a 3 anos. Já para a pré-escola, de 4 e 5 anos, 6.364 conquistaram a vaga desse modo.
As ações individuais geralmente são movidas pela Defensoria Pública. Para o órgão, mais que atender a uma necessidade pontual, a estratégia pressiona a administração pública. “Além disso, a fatia que consegue na Justiça é muito pequena em comparação à demanda”, diz o defensor Luiz Rascovski.
Prefeituras se queixam de que as sentenças não consideram a disponibilidade de verbas e desrespeitam o cadastro existente. Já movimentos sociais creem que a saída não soluciona o déficit global de vagas e prejudica quem ignora a chance de garantir o direito na Justiça.
“A fila da Prefeitura começa a ser desmoralizada perante as famílias porque outros conseguem passar na frente com liminar”, reclama o secretário municipal de Educação Cesar Callegari. Para ele, é preciso que os juízes conversem com as prefeituras para saber sobre as condições financeiras e o planejamento, antes de cobrar a matrícula.
Esse pedido foi levado nesta segunda-feira, 15, ao presidente do Tribunal de Justiça paulista, José Renato Nalini. Secretários de três cidades da Grande São Paulo também participaram da reunião.
Decisão inédita
Em dezembro, a Justiça determinou que a Prefeitura de São Paulo criasse 150 mil vagas na educação infantil até 2016, sendo 105 mil em creches de tempo integral e o restante na pré-escola. A sentença atendeu ao pedido de um grupo interinstitucional, formado por Defensoria Pública, Ministério Público (MP) e movimentos sociais.
Foi a primeira vez que um tribunal fixou o número de vagas a serem criadas por um prefeito. Houve expectativa de que o volume de ações caísse após a decisão, o que não se confirmou.
“Isso só ocorrerá ao longo dos próximos anos”, prevê Rascovski. “Pensamos em suspender as ações individuais, mas ainda falta a Prefeitura definir onde e quando as creches serão construídas”, completa ele, que integra o grupo interinstitucional que ganhou na corte.
A advogada Alessandra Gotti, também do grupo, diz que o litígio individual se explica pela pouca confiança de mães e órgãos de defesa no cadastro convencional. “Mas isso tem efeito negativo, subverte a fila. Só se resolve o problema ao cobrar o planejamento para criar vagas.”
Segundo a Secretaria de Educação, desde 2013 foram criadas 25.459 vagas na rede direta e conveniada. A pasta deve entregar 75 mil das vagas previstas pela Justiça até o meio de 2015.
Situação também prejudicaria carente
Outro problema de “furar” a fila por creche na Justiça, segundo Callegari, é não privilegiar necessariamente crianças em situação de maior vulnerabilidade social.
Desde o começo do ano, a Prefeitura adota cotas sociais para a matrícula na educação infantil. Pela regra, a cada dez matrículas, duas serão de famílias em extrema pobreza – com renda per capita de até R$ 70 e constantes no Cadastro Único do governo federal. A medida divide opiniões. Para defensores, a prioridade atende ao critério da justiça social. Críticos dizem que a norma afronta a universalidade do direito à educação.
Matéria publicada originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.