Por João Sette Whitaker
Do que venho acompanhando até aqui, tenho a impressão de que o “impasse”, se é que há, sobre o Parque Augusta, não tem muita razão de ser.
A situação “ideal”, para a cidade, seria evidentemente que aquela área de mata original pudesse ser integrada em sua totalidade como um novo parque. É aliás o que diz o decreto de criação do Parque Augusta.
Entretanto, o parque está em área privada, e nem toda ela é coberta por árvores. Desde a demolição do Colégio Desoiseaux, está vazia e já foi alvo de inúmeros projetos, de supermercados a museus, a maioria pavimentando a área e acabando com a vegetação. Felizmente, a reação dos moradores da região sempre conseguiu suspender os projetos, e a indefinição por sua utilização permaneceu.
Os donos, as empresas do setor imobiliário Cyrela e Setin, como seria de se esperar, forçam para construir ali algum empreendimento que lhes dê lucros.
No caso, como o terreno tem donos, para sua transformação total em parque, mesmo com o decreto municipal, só haveria duas saídas: ou os proprietários doam a área à prefeitura, ou esta a despropria, pagando para isso. Estima-se que o preço do terreno seja hoje de R$ 70 milhões.
Sou, devo esclarecer, frontalmente contrário a que a prefeitura gaste esse valor para fazer um parque nesse local, mesmo sendo um ferrenho defensor de mais áreas verdes e públicas na cidade.
A questão é que o cenário é de grave restrição orçamentária, ainda mais após a (absurda) ingerência do STF sobre a revisão do IPTU paulistano, fortemente combatido pela classe média, e que poderia ter dado um respiro à prefeitura nesse quesito.
Ou seja, no quadro de prioridades para uma cidade mais democrática, 70 milhões devem ser investidos em coisas mais urgentes necessárias, em bairros periféricos, com muito mais precariedade do que uma área no cerne de uma das regiões mais privilegiadas da cidade em termos de infraestrutura. Não faltam coisas para se investir: postos de saúde, centros de juventude, telecentros, ou mesmo a melhoria de parques na periferia que mereceriam bem mais atenção do que recebem (se compararmos a um Villa Lobos), como o Guarapiranga.
Diante disso, a solução para o Parque Augusta só pode ser negociada, de tal forma que não represente gastos exorbitantes para a prefeitura.
Por outro lado, não acredito que seus donos estejam dispostos a doar a área e abrir mão dos ganhos que ela pode representar. Seria ótimo, mas não há lei que os obrigue a fazer isso.
Sou reconhecidamente opositor férreo da atividade predadora do mercado imobiliário na cidade, mas ainda acho que ela se deve sobretudo à conveniente (para o setor privado) ausência de regulação pública na cidade. O capitalismo tem uma lógica perversa e os que nele atuam funcionam pela motivação única do lucro. No mercado imobiliário é a mesma coisa, e os empreendedores cumprem seu papel de capitalistas. Falta na verdade, ainda mais no Brasil em que o Estado é fortemente patrimonialista (confundido interesse público com os interesses privados dos setores dominantes), regulação pública para dar regras e parâmetros que coíbam a ação destruidora do capital.
Nesse sentido, de fato há um impasse somente se quisermos realmente defender que 100% da área seja transformada em parque. Porém, há espaço para outras soluções, e defendo que, em algum momento, o “mercado imobiliário” tão temido terá que começar a discutir a cidade por outros parâmetros – mais urbanos, mais coletivos, mais sustentáveis – do que a única busca do lucro. Quem sabe o Parque Augusta não possa ser um começo.
As informações que consegui obter constam que os proprietários ofereceram uma solução interessante: constroem na área duas torres, na parte que não tem árvores, deixando os 80% restantes para o parque. Além disso, as torres teriam o térreo livre, com pilotis, abertos para a rua (e o parque) e com comércio. Pelo que soube também, estariam dispostos a oferecer a manutenção definitiva do parque, propondo uma gestão comunitária envolvendo os usuários da região.
Se isso for verdade, é um avanço inédito, e uma demonstração muito positiva por parte de dois atores importantes do mercado, que pode sinalizar uma postura mais amigável para com a cidade. É muito comum na Europa ver soluções de desenho urbano que exploram soluções negociadas entre os interesses privado e público, que são de natureza oposta, porém não precisam sempre ser excludentes.
Ainda mais quando a solução de fato permita sair de um suposto impasse para redundar em um benefício para a cidade. O Parque Augusta poderia servir de exemplo, para desdobrar-se em outras experiências, como as dos pocket parks novaiorquinos, onde edifícios retiram cercas e grades e abrem seus recuos e jardins externos para o uso público.
Os opositores à ideia, pelo que soube, questionam não exatamente a possibilidade de usar 80% da área para parque, mas a construção de duas novas torres no bairro. Devo dizer que, sobre esse aspecto específico, discordo um pouco, embora valorize sobremaneira o ativismo que os move e que “salva” a cidade de tantos erros: neste caso, a “verticalização”, e portanto o adensamento populacional, em áreas consolidadas com muita infraestrutura urbana coo é a região da Augusta, não é um mal em si. Ela é terrível quando ocorre de maneira livre e sem regulação, destruindo sem controle a malha urbana anterior, como ocorre na Pompeia, ou na Vila Madalena. O novo Plano Diretor, ao limitar o coeficiente nos miolos de bairro a 1 (chegando a 2 com outorga), tenta limitar um pouco a prática. Nem tenho o que falar quando essa verticalização desenfreada se dá pelo pagamento de propinas, como ocorria na gestão passada, com o setor de aprovações sob o comando do Sr. Aref.
Neste caso, não é exatamente a mesma coisa. Temos a proposta de verticalização em uma área que a suporta e cuja vitalidade se beneficia de uma boa densidade populacional, especificamente como negociação para a obtenção, para a cidade, de um novo parque. É uma troca razoável. Vi meu colega e amigo Nabil Bonduki ser atacado nas redes sociais por defender essa ideia. Acho um engano. É a solução mais viável de ser realizada em curto prazo.
Uma única coisa deve ser garantida nessa negociação: que a gestão futura do parque, assim como a sua segurança, mesmo que comunitária e envolvendo os usuários e a população local (tanto dos edifícios como do entorno), sejam sempre – por lei – coordenados pelo Poder Público (a subprefeitura, ou a Secretaria do Verde, a GCM, etc). Isso porque a “transferência” da gestão e segurança para atores privados, mesmo que de forma participativa, abre portas para uma privatização do uso, uma elitização na permissão de acesso a um espaço que deve, evidentemente, ser público e democrático. Em resumo, não se pode deixar que, um dia, os 80% de parque virem uma espécie de jardim apenas para moradores e o público de classe média e alta, segregando quem for negro e pobre (como acontece em praças “públicas" na Vila Nova Conceição, por exemplo). Essa é a única garantia de que estejamos produzindo, com o diálogo, espaços públicos verdadeiramente públicos, democráticos e de qualidade.
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