Mobilidade, participação social e contendas políticas foram temas da batalha entre uma bancada de especialistas e jornalistas e os prefeitos de São Paulo e Palmas
Por Alice Marcondes, da Envolverde, especial para Instituto Ethos
Dois prefeitos versus uma bancada de perguntadores atentos. Este foi o formato do debate Cidades Sustentáveis – um Diálogo com Prefeitos, que encerrou as atividades de ontem (24) da Conferência Ethos 360°. Carlos Henrique Franco Amastha, prefeito de Palmas, e Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, responderam questões e contaram um pouco do que afinal estão fazendo para tornar suas cidades lugares mais humanos e sustentáveis.
A mobilidade, ou imobilidade, urbana foi um dos temas abordados na conversa. Carlos relatou sua empreitada para investir de forma preventiva na locomoção pela capital do estado mais novo do país. “Somos a capital que mais cresce e ainda não chegamos a 300 mil habitantes, o que quer dizer que ainda há muito potencial. Fui pedir investimentos ao Ministério do Planejamento para a implantação do BRT (Bus Rapid Transit). Pedi R$ 600 milhões e a resposta foi que havia apenas R$ 120 milhões para o Tocantins. Verbas mais parrudas estavam destinadas a estados com desafios maiores, como Rio de Janeiro e São Paulo. Meu questionamento foi: preciso antes ter o problema para depois conseguir a verba? E assim conseguimos os recursos e vamos fazer o BRT para evitar que no futuro Palmas enfrente os desafios que as outras cidades de maior porte já encaram hoje”, narrou o prefeito palmense.
A falta de planejamento é, para ambos os gestores, o grande vilão da mobilidade. Haddad, que enfrenta nas últimas semanas uma enxurrada de críticas por conta da implantação de ciclofaixas e ciclovias na capital paulista, apontou as medidas radicais como o melhor caminho para enfrentar a situação. “A região metropolitana é composta de 22 milhões de habitantes, que se locomovem de regiões distantes para o centro em busca de emprego. Precisamos fazer estas pessoas optarem meios de transporte que não sejam o carro. Colocar corredores de ônibus e ciclofaixas, além de trazer melhorias para os usuários deste modais, restringe as vagas de estacionamento”, explicou Haddad.
Rebatendo as críticas de falta de planejamento ele enfatizou que “já foram feitos mais de dez estudos, a única diferença é que tiramos do papel”. Contudo, segundo ele, o último estudo foi realizado em 2008 e, desde então, a cidade passou por modificações e também uma ampliação em sua frota de veículos individuais.
Quando o tema foi participação social, Carlos contou com orgulho seu trabalho de criação de conselhos em Palmas. “Os instrumentos consultivos precisam se tornar muito participativos. Em junho do ano passado, quando houve os protestos, a presidenta Dilma chamou todos os prefeitos e governadoras para uma reunião, e eu decidi neste encontro criar um conselho de transporte. Não tivemos problemas com a questão da tarifa, porque todo mundo que podia reclamar estava sentado à mesa. Fizemos também conselho de empresas, ecumênico, e ainda outros”, disse.
Neste sentido Haddad lembrou do processo do Plano Diretor Estratégico, recentemente votado pela Câmara Municipal de São Paulo. “Foram centenas de audiências públicas que contaram com contribuições dos melhores urbanistas da cidade. Tivemos também participação online e todas as propostas, presenciais ou virtuais, receberam resposta. A tomada de decisão final é, conforme a lei diz, dos 55 vereadores da cidade, mas a participação coroa o processo com um grau de legitimidade muito superior à média. Leis como esta, com repercussão de longo prazo, carecem deste respaldo legitimador”.
O PDE foi também citado pelo prefeito de São Paulo como a ferramenta que vai garantir a perpetuidade de trabalhos. “Se não tivermos continuidade, nunca vamos conseguir enfrentar os desafios de São Paulo. A cidade vai continuar sendo um cemitério de políticos, que assumem a prefeitura e não conseguem aprovação popular, por não conseguirem exercer seu trabalho, principalmente por conta de falta de alinhamento político”, enfatizou Haddad, que apontou este também como o principal problema do município. “Uma cidade com a complexidade de São Paulo precisa das três esferas da união alinhadas, de forma suprapartidária, ou as coisas não acontecem”.
Na mesma linha Haddad alertou para a necessidade de mecanismos de governança metropolitana que garantam uma melhor integração de políticas públicas e projetos entre os municípios que compõem as metrópoles brasileiras. “Em São Paulo, por exemplo, são 39 municípios, 39 prefeitos, 39 câmaras municipais e assim por diante, integrar tudo isso é uma missão quase impossível”, explica o prefeito paulista.
Seguindo o tom de crítica, Carlos abordou a forma como Palmas foi planejada. “Trata-se de uma cidade onde 80% do território são grandes vazios urbanos. A cidade expulsa o povo para a periferia. É a formula para problemas futuros. Para reverter esse quadro estamos investido mais na periferia do que no centro”, disse. Haddad complementou a fala e recordou os incentivos fiscais concedidos para empresas que se instalam na zona leste da capital paulista. “Geramos postos de trabalho lá, desenvolvemos a região e evitamos deslocamentos”, relatou.
Em um último questionamento, quando foram convidados a falar de suas frustrações, foram uníssonos em criticar mecanismos políticos do país. “A lei de licitações trava todos os processos. O mecanismo é feito para duvidar da boa fé do gestor”, disse Haddad. “Está na hora de uma nova constituinte”, concluiu Carlos, que saiu do evento com a promessa de aderir ao Programa Cidades Sustentáveis, capitaneado pela Rede Nossa São Paulo e do qual São Paulo já é membro.
Matéria originalmente publicada no portal do Instituto Ethos