Por Artur Rodrigues e Heloisa Brenha
Um plano para lidar com a crise hídrica em São Paulo, a ser discutido nesta semana, prevê a restrição e até a interrupção diária da captação de água no sistema Cantareira, que enfrenta sua maior seca.
Para especialistas, se posta em prática, a estratégia poderá implicar a adoção de um racionamento na Grande São Paulo pouco depois das eleições do próximo domingo (5).
O plano está descrito em um documento timbrado com as logomarcas do departamento estadual de águas (DAEE) e da agência federal que regula o uso de recursos hídricos no país (ANA).
Procurado pela Folha, o órgão paulista não nega a autenticidade do documento, mas atribui a autoria da proposta à agência federal. A ANA afirma que a estratégia foi elaborada em conjunto.
A agência defende a medida para preservar os estoques de água. O governo paulista tem evitado se comprometer com as reduções, que podem impactar o abastecimento da região metropolitana, onde 6,5 milhões de pessoas dependem do sistema Cantareira.
O plano limita a retirada de água das bacias PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí), que alimentam o sistema.
Essa restrição ocorreria em duas condições: quando o nível do Cantareira cair a menos de 5% e quando as vazões dos rios estiverem muito baixas.
Nesta segunda (29), o volume do sistema caiu novamente, chegando a 7%, o pior índice já registrado. Nesse ritmo de queda, a marca de 5% seria ultrapassada em meados de outubro, se não chover.
Segundo o documento, o uso da água nas bacias PCJ nesse caso entrará em "estado de restrição", no qual indústrias, produtores rurais e empresas de abastecimento terão de reduzir e até interromper a retirada de água.
Para fins de abastecimento, a captação diminuiria 20% e teria de ser suspensa diariamente, das 7h às 12h.
Para uso industrial ou para irrigação, a redução do volume seria de 30%, com paradas diárias das 12h às 18h.
Em nota, a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado disse ontem (29/9) considerar "inoportuna a proposta da ANA, que causaria graves transtornos aos milhões de cidadãos abastecidos pelas bacias". Afirmou ainda estranhar o momento em que o plano vem a público, "sem prévia discussão".
O documento foi divulgado no site dos Comitês PCJ com o objetivo de convidar usuários das bacias para discutir as restrições de uso.
O texto final será definido após três reuniões na quarta e na quinta, com prefeitos, empresas e cidadãos de São Paulo e de Minas Gerais, que utilizam a água das bacias.
Especialistas afirmam que o plano de restrição é um instrumento comum, previsto na legislação para situações em que as bacias hidrográficas chegam a um nível crítico.
"Equivale a um racionamento, pois suspende o direito de retirar água dos rios, e os setores têm de captar volumes menores dentro de determinados horários", explica Antonio Carlos Zuffo, da Unicamp.
Isso não significa, porém, que vai haver racionamento na água distribuída às residências na mesma proporção.
"A Sabesp pode tentar minimizar esse impacto com água de outros sistemas, mas há limite para isso. Os outros sistemas não têm capacidade para substituir totalmente o Cantareira", diz o professor da Poli-USP Arisvaldo Mello Jr.
"Sem dúvida, algum procedimento de racionamento terá de ser adotado", completa.
A estatal e a gestão Alckmin (PSDB) dizem que não haverá rodízio na Grande São Paulo até março de 2015.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo