Região castigada pelas cheias hoje tem cortes no abastecimento; moradores estocam água para tarefas simples. Sabesp nega falha .
Por Paula Felix
Do excesso de chuvas que deixou famílias desabrigadas às torneiras secas durante a noite, a água voltou a ser um problema para moradores do Jardim Romano e de bairros vizinhos, na zona leste de São Paulo. Há cerca de um mês, eles fazem estoque em garrafas, panelas e baldes para conviver com a falta d’água noturna. Há cinco anos, a região, porém, ganhou destaque ao enfrentar um alagamento que durou mais de dois meses e atingiu 2 mil famílias.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) nega falha no abastecimento. Porém, em tempos de crise hídrica, quem mora no Jardim Romano e em bairros como a Vila Itaim e a Vila Aimoré – todos localizados na várzea do Rio Tietê – está adotando a economia e o estoque para não abrir mão de atividades rotineiras, como tomar banho. Famílias que têm caixa d’água sentem menos o impacto da escassez durante a noite.
Na casa da cuidadora Maria Ivanize dos Anjos, de 55 anos, moram quatro crianças e cinco adultos. A caixa d’água de 250 litros que era reserva suficiente para as atividades da família já não dá conta. “Tem muita louça e muita roupa aqui em casa. A gente lava tudo quando a água chega e enche um monte de bacia, panela e garrafa para não faltar”, conta.
Há 25 anos ela mora na Rua Coaracy, na Vila Aimoré, trecho que convive com alagamentos em períodos de chuva. “Já perdi meus documentos, armários e uma geladeira por causa de enchente, mas ainda acho que seca é pior do que alagamento. A pessoa não pode nem tomar um banho”, diz Ivanize.
Moradora do mesmo bairro, Nelsina Aparecida dos Santos, de 55 anos, aderiu à economia para evitar sufoco. “Eu lavo roupa de 15 em 15 dias. Não tenho caixa d’água e moro com meus cinco filhos. A gente aguenta ficar sem qualquer coisa, mas sem água é demais”, afirma.
Rua Capachós, Jardim Romano, é o endereço que foi inundado em 2009 e demorou mais de 60 dias para secar. Ali, a dona de casa Iraci Nunes, de 42 anos, vivenciou a enchente e também está sendo atingida, atualmente, pela falta d’água noturna. “Até hoje não consegui arrumar tudo o que perdi aqui. Só não perdi a minha fé. Nada nunca foi fácil para nós”, diz.
Um balde de 15 litros tem sido aliado para capturar a água que chega durante o dia. “Faço o serviço da casa e já encho o balde para todo mundo poder usar.” São seis moradores no local. O reúso da água é uma tática para garantir a limpeza da casa. “Eu lavo roupa e uso a água que sobra para passar pano no chão e lavar o quintal.”
A comerciante Cecília do Nascimento Rosa, de 68 anos, mora na mesma rua, mas não se incomoda com as torneiras vazias durante a noite. Ela diz que o abastecimento de água costuma parar por volta das 21 horas e voltar às 6 horas. “Nem percebo, porque tenho caixa d’água. Eu tenho torneira de água da rua e, quando vejo que acabou, uso a da caixa. Não sei se isso é culpa do governo ou de São Pedro, mas a água não faz falta para mim à noite.” Moradores contam que a área parou de alagar após a instalação de um dique, um tipo de sistema de drenagem, em 2011.
Banho
O banho em casa após um dia de trabalho está fazendo falta para o porteiro Carlos Alberto Siqueira, de 36 anos, que mora em uma rua da Vila Itaim. “Quando chego em casa, às 18 horas, já não tem uma gota d’água. Isso me deixa muito irritado porque tenho de tomar banho na casa da minha cunhada.” A residência de Siqueira, como muitas na região, não tem caixa d’água. A sogra do porteiro, a dona de casa Maria de Fátima Nunes da Silva, de 58 anos, já sofreu com enchente no bairro e também está incomodada. “A gente usa a água do tanquinho para limpar, mas está complicado.”
Mesmo com caixa d’água, a dona de casa Angela Maria da Silva, de 48 anos, acumula água em garrafas e panelas. “Às 20 horas, não tem mais água e é difícil todo mundo já ter jantado nesse horário.” Angela diz que sempre há água durante o dia, mas afirma que já notou a pressão mais fraca. “Às vezes, de dia, a água fica bem fraquinha. Já teve dia que a caixa nem encheu.”
A Sabesp negou, em nota, a existência de problemas de abastecimento nas ruas visitadas pela reportagem e informou que o “fornecimento está normal”. A companhia disse que não há registros de queixas no “sistema de atendimento”.
Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo