Por André Monteiro e Artur Rodrigues
Na porta dos banheiros do bar Lekitsch, na praça Roosevelt, região central de São Paulo, um aviso diz: "Desculpe o transtorno".
Não se trata de nenhuma obra ou privada entupida, mas um alerta de que há "racionamento a partir das 21h".
"A Sabesp suspende o fornecimento de água da região. O banheiro fica em situação de calamidade", diz um dos sócios, Silvio do Carmo, 45.
Segundo a presidente da Sabesp, Dilma Pena, lugares altos, longe dos reservatórios e sem caixa d'água adequada são os que podem ser afetados pela redução de pressão. Só 1% a 2% da população é atingida, diz.
O estabelecimento de Carmo fica na região central, em área que não é alta. Há três meses, ele comprou duas caixas d'água de mil litros para aliviar o problema, que, afirma, se repete toda noite.
"Mesmo assim, no fim da noite, a água acaba", diz ele, que também passou a estocar água em recipientes.
A Folha achou outros locais em regiões que não se encaixam no perfil descrito pela presidente da Sabesp.
Na Casa Verde (zona norte), a academia R.White passou a comprar carros-pipa para evitar transtornos aos clientes. "Senão, a caixa não daria conta", diz Fabiano Porsato, 42, diretor da academia.
"Mesmo com a caixa [de 5.000 litros], um dia chegamos de manhã em agosto e não tinha água nenhuma."
Porsato afirma acreditar que o problema é em toda a cidade. "Tem dia que chego em casa à noite e não tem água no chuveiro", diz o morador do Limão, zona norte.
Na zona oeste, relatos de falta de água à noite pipocam em ruas baixas de bairros como City Lapa e Butantã.
A maioria das casas conta com caixa d'água, o que garante os banhos de noite ou pela manhã. Mas, como as torneiras da cozinha e da área de serviço geralmente são ligadas diretamente na rede da Sabesp, moradores contam que fica difícil cozinhar e lavar louça ou roupa de noite.
Alice Mourão, 61, que mora na City Lapa, diz que as torneiras começam a secar por volta das 20h. Ela diz não ter reclamado à Sabesp porque já percebeu que o problema é generalizado. "Mas o filtro da cozinha é ligado na rua. Quando a água acaba, tenho que sair e comprar garrafas no mercado para beber."
Para o engenheiro Alceu Bittencourt, da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), ligar torneiras direto na rede é comum. "As pessoas procuram aproveitar a pressão maior na cozinha ou na lavanderia. Mas isso deveria ser uma alternativa, o ideal é ter as saídas mais importantes conectadas à caixa d'água.", afirma.
Para Jorge Giroldo, mestre em hidráulica e professor da FEI, a torneira ligada à rede serve para alertar quando falta água e o consumidor tem só o volume armazenado.
Outro lado
A Sabesp diz que, "além de ter a caixa d'água, é imprescindível que os imóveis tenham suas conexões hidráulicas conectadas ao reservatório, como determina a norma da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas]".
Sobre a situação do bar Lekitsch, a empresa afirma que visitou o local às 20h de quinta (9) e, "de acordo com o número de clientes naquele momento, a caixa d'água citada parece ser insuficiente".
Silvio do Carmo afirmou que técnicos da Sabesp o informaram que havia apenas diminuição de fluxo. "Eu disse que não, que a torneira seca mesmo", rebate.
Em outros sete endereços em que moradores dizem faltar água à noite, a Sabesp diz que técnicos constataram haver pressão normal.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo